Pedagogia da Autonomia – Paulo Freire (Resumo)

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1 – Não há docência sem discência

A reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação Teoria/Prática sem a qual a teoria pode ir virando blábláblá e a prática, ativismo.

 

…ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção.

         È preciso que… Desde os começos do processo, vá ficando cada vez mais claro que, embora  reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação Teoria/Prática sem a qual a teoria pode ir virando  diferentes entre si, quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado.
    O que me interessa agora, repito, é alinhar e discutir neste sentido que ensinar não é transferir conhecimentos, alguns saberes fundamentais à prática educativa-crítica ou         conteúdos nem formar é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado. Não há docência sem discência, as duas se explicam… Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender… Ensinar
inexistesemaprender e vice-versa.

         O necessário é que, subordinado, embora, à prática ‘bancária’ o educando mantenha vivo em si o gosto da rebeldia que, aguçando sua curiosidade e estimulando sua capacidade de arriscar-se, de aventurar-se, de certa forma o “imuniza” contra o poder apassivador do “bancarismo”.

        

1.1 Ensinar exige rigorosidade metódica

         O intelectual memorizador, que lê horas a fio, domesticando-se ao texto, temeroso de arriscar-se, fala de suas leituras quase como se estivesse recitando-as de memória — não percebe, quando realmente existe, nenhuma relação entre o que leu e o que aí, desconectado do concreto.

         Repete o lido com precisão, mas raramente ensaia algo pessoal. Fala bonito de dialética, mas pensa mecanicistamente.

Pensa errado. É como se os livros todos os cuja leitura dedica tempo farto nada devessem ter com a realidade de seu muna realidade com que eles têm que ver é a realidade idealizada de uma escola que vai virando cada vez mais um dado vem ocorrendo no seu país, na sua cidade, no seu bairro.      

         O professor que pensa certo deixar transparecer aos educandos que uma das bonitezas de nossa maneira de estar no mundo e com o mundo, como seres históricos, é a capacidade de, intervindo no mundo, conhecer o mundo.

1.2 Ensinar exige pesquisa

        

         A curiosidade ingênua, de que resulta indiscutivelmente um certo saber(….)

1.5 Ensinar exige estética e ética

         Não é possível pensar os seres humanos longe, sequer, da ética quanto mais fora dela.    É por isso que transformar a experiência critica permanente educativa em puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador.

1.6 Ensinar exige a corporeificação das palavras pelo exemplo

         Que podem pensar alunos sérios de um professor que, há dois semestres, falava com quase ardor sobre a necessi­dade da luta pela autonomia das classes populares e hoje, dizendo que não mudou, faz o discurso pragmático contra os sonhos e pratica a transferência de saber do profes­sor para o aluno?!

1.7 Ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação.

         É própria do pensar certo a disponibilidade ao risco, a aceitação do novo que não pode ser negado ou acolhido só porque é novo, assim como o critério de recusa ao velho não é apenas cronológico. O velho preserva sua validade eu que encarna uma tradição…continua uma novo(…) prática preconceituosa de raça,de classe, de gênero do ser humano e nega radicalmente a democracia.

1.8 Ensinar exige reflexão crítica sobre a prática     

        

(…) na formação permanente dos profes­sores, o momento fundamental é o da reflexão crítica so­bre a prática. E pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática.

1.9 Ensinar exige o reconhecimento e a assunção da identidade            cultural

         A aprendizagem da assunção do sujeito é incompatível com o treinamento pragmático ou com o elitismo autoritário dos que se pensam donos da verdade e do saber articulado. Às vezes, mal se imagina o que pode passar a representar ­na vida de um aluno um simples gesto do professor.

         O que pode um gesto aparentemente insignificante valer como força formadora ou como contribuição à do educando por si mesmo.

Capitulo 2 – Ensinar não é transferir conhecimento

            Saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção Quando entro em uma sala de aula devo estar sendo um ser aberto a indagações, à curiosidade, às perguntas dos alunos, a suas inibições; um ser crítico e inquiridor, inquieto em face da tarefa que tenho — a de ensinar e não a de transferir conhecimento.

         É na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda educação como processo permanente. Mu­lheres e homens se tornam educáveis na medida em que se reconheceram inacabados. Outro saber necessário à prática educativa, e que se fun­da na mesma raiz que acabo de discutir — a da inconclusão. Não foi a educação que fez mulheres e homens educáveis, mas sim a consciência de inconclusão é que gerou a aducabilidade.

2.3 Ensinar exige o respeito à autonomia de ser educado

        Como educador, devo estar constantemente advertido com relação a este respeito que implica igualmente o que devo ter por mim mesmo. Não faz mal repetir afirmação várias vezes feita neste texto — o inacabamento de que nos tornamos conscientes nos fez seres éticos.       

        O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros. Precisamente porque éticos podemos desrespeitar a rigorosidade da ética e resvalar para a sua negação, por isso é imprescindível deixar claro que a possibilidade do desvio ético não pode receber outra designação senão a de Transgressão.

        O que quero dizer é o seguinte: se alguém se torne machista, racista,… Sei lá o quê, mas se assuma como transgressor da natureza humana. Não me ve­nha com justificativas genéticas, sociológicas ou históricas ou filosóficas para explicar a superioridade da branquitude sobre a negritude, dos homens sobre as mulheres, dos patrões sobre os empregados. Qualquer discriminação é imoral e lu­tar contra ela é um dever por mais que se reconheça a força dos condicionamentos a enfrentar.

 

2.4 — Ensinar exige bom senso

 

        O exercício do bom senso, com o qual só temos o que ganhar, se faz no “corpo” da curiosidade. Neste sentido quanto mais pomos em prática de forma metódica a nossa capacidade de indagar, de comparar, de duvidar, de aferir tanto mais eficazmente curiosos nos podemos tornar e mais crítico se pode fazer o nosso bom senso.

        O exercício ou a educação do bom senso vai superando o que há nele de instintivo na avaliação que fazemos dos fatos e dos acon­tecimentos em que nos envolvemos.

        Como posso continuar falando em meu respeito ou dignidade do educando se o ironiza com.. tímida arrogância.

 

2.5 Ensinar exige humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos dos educadores.

 

         A luta dos professores em defesa de seus direitos e de sua dignidade deve ser entendida como um momento importante de sua prática docente, enquanto prática ética. Não é algo que vem de fora da atividade docente, mas algo que dela faz parte. O combate em favor da dignidade da prática docente é tão parte dela mesma quanto dela faz parte o respeito que o professor deve ter à identidade do educando, à sua pessoa, a seu direito de ser.

        Uma das formas de luta contra o desrespeito dos po­deres públicos pela educação, de um lado, é a nossa recusa a transformar nossa atividade docente em puro bico, e de outro, a nossa rejeição a entendê-la e a exercê-la como prática afetiva de “tias e de tios”.

  

 

 

2.8 Ensinar exige uma convicção de que a mudança é possível

       

        É a partir deste saber fundamental: mudar é difícil, mas é possível, que vamos programar nossa ação político pedagógica, não importa se o projeto com o qual nos com prometemos é de alfabetização de adultos ou de crianças se de ação sanitária, se de evangelização, se de formação de mão-de-obra técnica.

        Um dos equívocos funestos de militantes políticos de prática messianicamente autoritária foi sempre desco­nhecer totalmente a compreensão do mundo dos grupos populares. Vendo-se como portadores da verdade salvado­ra, sua tarefa irrecusável não é propô-la mas impô-la aos grupos populares.

2.9 Ensinar exige curiosidade

        Neste sentido, o bom professor é o que consegue, enquanto fala trazer o aluno até a intimidade do movi mento de seu pensamento. Sua aula é assim um desafio e não uma “cantiga de ninar”. Seus alunos cansam, não dormem.

        Cansam porque acompanham as idas e vindas de seu pensamento, surpreendem suas pausas, suas dúvidas, suas incertezas.

        E viven­-do criticamente a minha liberdade de aluno ou a una que, em grande parte, me preparo para assumir ou refazer o exercício de minha autoridade de professor. Para isso, como aluno hoje que sonha com ensinar amanhã ou como aluno que já ensina hoje devo ter como objeto de minha curiosi­dade as experiências que venho tendo com professores vários e as minhas próprias, se as tenho, com meus alunos.    O que quero dizer é o seguinte: Não devo pensar apenas sobre os conteúdos programáticos que vêm sendo expos­tos ou discutidos pelos professores das diferentes disci­plinas, mas ao mesmo tempo, a maneira mais aberta, dialógica, ou mais fechada, autoritária, com que este ou aquele professor ensina.

 

Capítulo 3 –Ensinar é uma especificidade humana

        Há professores e professoras cientificamente preparado, mas autoritários a toda prova. O que quero dizer é que a incompetência profissional desqualifica a autorida­de de do professor.

        A autoridade coerentemente democrática está convicta de que a disciplina verdadeira não existe na estagnação, no silêncio dos silenciados, mas não existe alvoroço dos inquietos, na dúvida que instiga na esperança desperta.

        Se recusar, de um lado, silenciar a liberdade dos educandos, rejeita, de outro, a sua supressão do processo de construção da boa disciplina. 

        No fundo, o essencial nas relações entre educador e educando, entre autoridade e liberdades, entre pais, mães filhos e filhas é a reinvenção do ser humano no aprendizado de sua autonomia.

        Nunca me foi possível separar em dois momentos o ensino dos conteúdos da formação ética dos educandos não há nesta boniteza lugar para a negação da decência nem de forma grosseira nem farisaica. Não há lugar para puritanismo. Só há lugar para pureza.

3.2 — Ensinar exige comprometimento

        Não posso ser professor sem me pôr diante dos alunos, …sem revelar com facilidade ou relutância minha maneira de ser, de discriminar o aluno em nome de nenhum motivo.. Não posso escapar à apreciação…. que o aluno tem de mim … as maneiras como eles me percebem tem importância mente de como atuo. Dai, então, que uma de como atuo. Evidentemente, não posso levar meus dias minhas preocupações centrais deva ser a de procurar a como professor a perguntar aos alunos o que acham de aproximação cada vez maior entre o que digo e o que faço, mim ou como me avaliam. Mas devo estar atento à leitura entre o que pareço ser e o que realmente estou sendo.

3.2 — Ensinar exige saber escutar

        Globalização que reforça o mando das minorias poderosas e esmigalha e pulveriza a presença impo­tente dos dependentes, fazendo-os ainda mais impotentes, é destino dado. Em face dela não há outra saída senão que cada um baixe a cabeça docilmente e agradeça a Deus porque ain­da está vivo. Agradeça a Deus ou à própria globalização.

        É preciso que, ao respeitar a leitura do mundo do educando para ir mais além dela, o educador deixe claro que a curiosidade fundamental à inteligibilidade do mundo é histórica e se dá na história, se aperfeiçoa, muda qualitativamente, se faz metodicamente rigorosa1 E a curiosidade assim melódica­ mente rigorizada faz achados cada vez mais exatos. No fun­do, o educador que respeita a leitura de mundo do educan­ do, reconhece a historicidade do saber, o caráter histórico da curiosidade, desta forma, recusando a arrogância cienti­ficista, assume a humildade crítica, própria da posição verdadeiramente científica O desrespeito à leitura de mundo do educando reve­la o gosto elitista, portanto antidemocrático, do educador que, desta forma, não escutando o educando, com ele não fala. Nele deposita seus comunicados Há algo ainda de real importância a ser discutido na

reflexão sobre a recusa ou ao respeito à leitura de mundo do educando por parte do educador. A leitura de mundo revela, evidentemente, a inteligência do mundo que vem cultural e socialmente se constituindo. Revela também o trabalho individual de cada sujeito no próprio processo de assimilação da inteligência do mundo.

        Uma das tarefas essenciais da escola como centro de produção sistemática de conhecimento, é trabalhar criticamente a inteligibilidade das coisas e dos fatos e a sua comunicabilidade.  É imprescindível portanto que a escola instigue constantemente a curiosidade do educando em vez de “amaciá-la” ou “domesticá-la”. E preciso mostrar ao educando que o uso ingênuo da curiosidade altera a sua capacidade de achar e obstaculiza a exatidão do achado

        Discurso da globalização que fala da ética esconde, porque a sua é a ética do mercado e não a ética universal do ser humano, pela qual devemos lutar bravamente se opta, na verdade, por um mundo de gente. O discurso globalização astutamente oculta ou nela busca penumbrar a reedição intensificada ao máximo, mesmo que modificada, da medonha malvadez com que o capitalismo aparece na História. O discurso ideológico da globalização procura disfarçar que ela vem robustecendo a riqueza de uns poucos e verticalizando a pobreza e a miséria de milhões. O sistema capitalista alcança no neoliberalismo globalizante o máximo de eficácia de sua malvadez intrínseca.  

        Há um século e meio Marx e Engels gritavam em favor da união das classes trabalhadoras do mundo contra e a rebelião das gentes contra a ameaça que nos atinge, a sua espoliação. Agora, necessária e urgente se fazem a união da negação de nós mesmos como seres humanos submetidos à “fereza” da ética do mercado.

        Gostaria de deixar bem claro que não apenas imagino, mas sei quão difícil é a aplicação de uma política do desenvolvimento humano que, assim, privilegie funda mentalmente o homem e a mulher e não apenas o lucro.

        Para me resguardar das artimanhas da ideologia não posso nem devo me fechar aos outros nem tampouco me enclausurar no ciclo de minha verdade. Pelo contrário, o melhor caminho para guardar viva e desperta a minha capacidade de pensar certo, de ver com acuidade, de ouvir com respeito, por isso de forma exigente, é me deixar exposto às diferenças, é recusar posições dogmáticas, e que me admita como proprietário da verdade.

        O mundo encurta, o tempo se dilui: o ontem vira agora; o amanhã já está feito. Tudo muito rápido. Debater o que se diz e o que se mostra e como se mostra na televi­são me parece algo cada vez mais importante.

        Como educadores e educadores progressistas não ape­nas não podemos desconhecer a televisão, mas devemos usá­-la, sobretudo, discuti-la.

Não podemos nos pôr diante de um aparelho de televisão “entregues” ou “disponíveis” ao que vier. Quanto mais nos sentamos, diante da televisão — como quem, em férias, se abre ao puro repouso (…).

    A postura crítica e desperta nos momentos necessários

não pode faltar.

        O educador progressista precisa estar convencido como de suas conseqüências é o de ser o seu trabalho uma especificidade humana.

        Não posso negar a minha condição de gente de que se alonga, pela minha abertura humana, uma certa dimensão terápica.

        É esta percepção do homem e da mulher como seres “programados, mas para aprender” e, portanto, para ensi­nar, para conhecer, para intervir, que me faz entender a prática educativa como um exercício constante em favor da produção e do desenvolvimento da autonomia de edu­cadores e educandos.