A jornada da escolha profissional constitui um marco decisivo na trajetória de vida de qualquer indivíduo. Trata-se de um processo que pode despertar entusiasmo e motivação, mas que também frequentemente envolve dúvidas, inseguranças e ansiedade. Em meio à diversidade de opções e às pressões sociais e familiares, surge uma questão essencial: como realizar essa escolha de forma consciente e assertiva?
Duas dimensões se destacam como fundamentais nesse processo: a maturidade para a escolha profissional e as características da personalidade. Instrumentos como a Escala de Maturidade para a Escolha Profissional (EMEP) e o Indicador de Tipos Psicológicos de Myers-Briggs (MBTI) oferecem perspectivas complementares para orientar escolhas mais sólidas e coerentes com o autoconhecimento.
A noção de maturidade vocacional encontra base na psicologia do desenvolvimento, especialmente nos modelos de Donald Super e Ginzberg, os quais compreendem a escolha de carreira como parte do amadurecimento psicológico. A maturidade não se refere à idade cronológica, mas à prontidão emocional, cognitiva e social para fazer escolhas coerentes e sustentáveis.
Super (1990) define maturidade vocacional como a capacidade do indivíduo de lidar com tarefas relacionadas à escolha e planejamento de carreira em diferentes fases da vida. Essa concepção é ampliada pela psicologia existencial-humanista (Rogers, 1951), que valoriza a autenticidade da escolha e a congruência entre o self e o projeto de vida.
1. A Maturidade para a Escolha Profissional: Um Diagnóstico Inicial
A escolha profissional é um marco do desenvolvimento humano, situado entre as tarefas evolutivas da adolescência e juventude. A Escala de Maturidade para a Escolha Profissional (EMEP), desenvolvida pela psicóloga Kathia Maria Costa Neiva, surge como um instrumento confiável e validado para avaliar o nível de prontidão do sujeito diante da tomada de decisão vocacional. Este artigo tem como objetivo apresentar os fundamentos da EMEP, suas dimensões avaliadas e a forma como pode ser utilizada em contexto terapêutico para promover escolhas profissionais mais autênticas, conscientes e alinhadas ao self do sujeito. A maturidade vocacional é compreendida como um processo dinâmico, psicossocial e existencial, sendo fundamentalmente mediado pela escuta clínica e pela ampliação da consciência do sujeito sobre si e sobre o mundo do trabalho.
1.1 As 5 Dimensões Avaliadas pelo EMEP
A EMEP foi construída por Neiva (1997) com o propósito de avaliar o grau de maturidade dos jovens frente à escolha profissional. Trata-se de um instrumento psicológico aprovado pelo CFP e amplamente utilizado em contextos de orientação vocacional.
A escala é composta por quatro fatores principais:
- Determinação – avalia a clareza e a firmeza da escolha profissional.
- Responsabilidade – mede o grau de comprometimento e autonomia do jovem em relação à escolha.
- Independência – analisa a influência externa (pais, amigos, professores) no processo decisório.
- Conhecimento Profissional – verifica o quanto o sujeito conhece sobre a profissão pretendida e o mercado de trabalho.
Cada um desses fatores compõe um perfil que permite compreender em que estágio de maturidade vocacional o jovem se encontra, orientando o trabalho psicoterapêutico.
2. A EMEP no Setting Terapêutico
No contexto clínico, a aplicação da EMEP deve ser conduzida com escuta sensível e crítica. Mais do que atribuir escores, é necessário compreender os significados subjetivos que emergem a partir das respostas. A maturidade vocacional é, muitas vezes, atravessada por angústias existenciais, pressões familiares, expectativas sociais e idealizações.
A utilização da EMEP no setting terapêutico possibilita:
- Mapeamento das dificuldades internas (como insegurança, baixa autoestima, medo da frustração);
- Identificação de conflitos de valores (como escolher entre status e vocação);
- Reflexão sobre influências externas (como imposições familiares ou modismos);
- Abertura para a construção de um projeto de vida significativo.
Assim, o terapeuta atua como facilitador de um processo reflexivo, promovendo o autoconhecimento, o desenvolvimento da autonomia e a integração de aspectos emocionais, cognitivos e relacionais implicados na escolha.
Na prática da orientação vocacional o terapeuta pode seguir alguns caminhos para orietação vocacional:
- Personalizar intervenções;
- Estabelecer metas realistas;
- Estimular o autoconhecimento;
- Promover autonomia e empoderamento na tomada de decisão.
1.3 Perfis de Maturidade e Possíveis Direcionamentos
- Alta Maturidade: Indivíduos proativos, planejadores e autônomos. Possíveis carreiras: pesquisador, consultor, empreendedor.
- Média Maturidade: Necessitam de apoio, mas demonstram iniciativa. Possíveis carreiras: técnico especializado, analista, designer.
- Baixa Maturidade: Demandam maior suporte e vivência prática. Caminhos iniciais: estágios, programas de jovem aprendiz, cargos operacionais.
2. A Tipologia de Personalidade: O MBTI como Ferramenta de Autoconhecimento
Se o EMEP revela o “como” fazemos escolhas, o MBTI nos ajuda a entender “quem” somos. MBTI significa Myers-Briggs Type Indicator (Indicador de Tipos de Myers-Briggs) e é baseado na psicologia analítica de Carl Gustav Jung, o MBTI foi desenvolvido por Isabel Briggs Myers e Katharine Cook Briggs e classifica os indivíduos em 16 tipos de personalidade, com base em quatro dicotomias:
- Energia (Extroversão – E / Introversão – I): Direcionamento da energia para o mundo externo ou interno.
- Informação (Sensorial – S / Intuição – N): Preferência por dados concretos ou por padrões e significados.
- Decisão (Pensamento – T / Sentimento – F): Tomada de decisão baseada na lógica ou nos valores pessoais.
- Estilo de Vida (Julgamento – J / Percepção – P): Organização da vida de forma estruturada ou espontânea.
2.1 Exemplos de Perfis e Suas Afinidades Profissionais
- INTJ (O Arquiteto): Estratégico e independente, tende a se realizar em ambientes que exigem planejamento e autonomia, como pesquisa científica ou gestão estratégica.
- ESFP (O Animador): Sociável e prático, costuma se destacar em contextos que envolvem dinamismo e interação social, como eventos, entretenimento ou hospitalidade.
3. Integrando Maturidade e Personalidade: Uma Escolha Mais Assertiva
A verdadeira chave para uma escolha profissional satisfatória está na integração entre maturidade e autoconhecimento de personalidade.
3.1 Benefícios dessa Integração
- Autoconhecimento Ampliado: O MBTI revela motivações intrínsecas e preferências naturais, enquanto o EMEP mostra o grau de preparo para a escolha.
- Escolhas Mais Conscientes: Menor influência de modismos ou pressões sociais.
- Planejamento Estratégico: Clareza sobre os ambientes mais adequados ao perfil e capacidade de traçar um caminho profissional coerente.
- Desenvolvimento Contínuo: Permite ajustes ao longo da vida profissional com base em reflexões maduras e autênticas.
Como Funciona a Orientação Profissional
A escolha profissional não se resume a um momento isolado, mas configura-se como uma verdadeira jornada de construção pessoal. Esse processo, conduzido por um orientador — que pode ser um psicopedagogo, terapeuta ou psicólogo —, é dividido em etapas que ajudam o orientando a compreender melhor sua trajetória e suas possibilidades.
Na primeira sessão, realiza-se uma anamnese, ou seja, uma investigação sobre quem é o orientando: sua origem, rotina, crenças, contexto familiar e outros elementos significativos de sua história de vida.
Nas segunda e terceira sessões, o foco recai sobre o autoconhecimento. O orientando é convidado a refletir sobre o quanto se conhece e quais aspectos ainda precisa desenvolver para gerir melhor a si mesmo. Esse processo é, em si, terapêutico, pois permite ao indivíduo olhar para dentro, validar seus sentimentos e enfrentar suas limitações de forma mais consciente.
Na quarta sessão, o mentor aplica um teste de maturidade de forma oral, com o objetivo de verificar se os pontos discutidos nas sessões anteriores se confirmam. Caso os resultados estejam alinhados com as observações já feitas, é agendada uma devolutiva para dialogar sobre as convergências e também sobre eventuais divergências percebidas ao longo do processo. Nesse momento, o orientando é incentivado a refletir sobre seu nível de maturidade e sobre como esse fator pode influenciar suas escolhas, contribuindo para decisões mais conscientes e assertivas.
É importante ressaltar que, nesta etapa, os conteúdos e percepções desenvolvidos nas sessões anteriores têm maior peso do que os resultados do teste. Isso porque o teste é aplicado em um momento específico, no qual o analisando pode estar influenciado por emoções passageiras que interferem nas respostas. Assim, o teste é compreendido como um instrumento complementar, que auxilia na análise das questões relacionadas à autogestão e ao autoconhecimento, mas que não deve ser interpretado de forma isolada.
A quinta sessão é dedicada à análise de como o perfil de maturidade e de personalidade pode contribuir para a construção de um projeto profissional, seja no contexto universitário ou fora dele. Nessa etapa, é aplicado o instrumento MBTI (Indicador de Tipos de Myers-Briggs), que auxilia no aprofundamento da reflexão sobre traços de personalidade, preferências cognitivas e padrões de comportamento. O objetivo é ajudar o orientando a identificar caminhos que estejam mais alinhados ao seu modo de ser, aumentando as chances de uma escolha profissional coerente e satisfatória.
Na sexta sessão, inicia-se a análise dos possíveis caminhos profissionais. É nesse ponto que o orientando começa a considerar concretamente uma profissão. A partir dessa etapa, o orientador avalia a necessidade de sessões adicionais para acompanhar os próximos passos da jornada.
Investir no autoconhecimento e na compreensão do próprio nível de maturidade é uma forma de honrar a própria história, reconhecer limites e potencialidades e construir, passo a passo, uma trajetória profissional significativa.
Lembre-se: a bússola da sua escolha profissional está dentro de você. Conhecê-la é o primeiro passo para trilhar um caminho de realização pessoal e profissional.
Referências Bibliográficas
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