A Tirania da Performance: Por Que a Sociedade Moderna nos Deixa Exaustos?
Você já se sentiu exausto sem um motivo aparente? Um cansaço que não é apenas físico, mas mental e emocional, como se estivesse correndo constantemente em uma esteira que nunca desliga? Se a resposta for sim, você não está sozinho. O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han diagnosticou esse mal-estar coletivo em sua obra seminal, “A Sociedade do Cansaço”, e sua análise é mais relevante do que nunca.
Ao colocarmos as ideias de Han em diálogo com gigantes como Zygmunt Bauman e Sigmund Freud, e aterrissá-las no nosso cotidiano digital, desvendamos a anatomia de uma era marcada pela exaustão.
O Novo Rosto do Cansaço: A Violência do “Poder Fazer”
Para Han, cada época possui suas enfermidades características. Se antes combatíamos doenças bacterianas e virais, o século XXI é definido por patologias neuronais: depressão, ansiedade, transtorno de déficit de atenção e, claro, a Síndrome de Burnout. A causa, segundo ele, não é a repressão ou a negatividade de um agente externo, mas um excesso de positividade.
Vivemos na “sociedade do desempenho”. A pressão não vem mais de um chefe ou de uma instituição que nos diz “você deve”, mas de uma voz interna que sussurra “você pode”. A transição do “dever fazer” para o “poder fazer” nos lança em um estado de angústia constante por não estarmos fazendo tudo o que poderíamos. O resultado? Uma autoexploração implacável, que é ainda mais eficiente porque vem disfarçada de liberdade e realização pessoal. O explorador e o explorado se tornam a mesma pessoa. Se você fracassa, a culpa é unicamente sua.
O Palco Digital: Se Não Postamos, Não Existimos
Essa lógica da performance encontra seu palco perfeito nas redes sociais. A digitalização da vida nos empurra para um tipo de “existencialismo digital”, onde a sobrevivência da nossa própria identidade parece depender da nossa presença online. Sentimos uma necessidade de nos conectarmos através de meios digitais, caso contrário, corremos o risco de não “existir” socialmente.
Nesse cenário, cada indivíduo se torna seu próprio “flyer” publicitário, engajado em uma autopromoção constante que, no fundo, é uma forma de autoexploração. A busca incessante por curtidas, comentários e validação de pessoas que muitas vezes nem conhecemos alimenta um narcisismo que nos cega para a presença do outro. Essa dinâmica substitui a atenção profunda e contemplativa — essencial para a criatividade e a cultura — por uma “hiperatenção” dispersa, que salta rapidamente entre tarefas e fontes de informação, incapaz de tolerar o tédio produtivo.
Bauman e a Incerteza Líquida
O sociólogo Zygmunt Bauman, com seu conceito de “Modernidade Líquida”, nos oferece o pano de fundo perfeito para entender o cenário de Han. Para Bauman, vivemos em uma era de incerteza, onde as estruturas sociais, os empregos e os relacionamentos são frágeis e fluidos. Essa falta de referenciais sólidos gera uma ansiedade profunda e uma necessidade constante de provar o próprio valor.
A sociedade líquida de Bauman é o habitat natural para o sujeito de desempenho de Han. A pressão para ser flexível, adaptável e sempre pronto para a próxima “oportunidade” intensifica a autoexploração. A incerteza nos leva a performar sem parar, na esperança de construir alguma segurança em um terreno movediço, o que, paradoxalmente, apenas aprofunda nosso esgotamento.
Freud e o Superego da Otimização
Muito antes, Sigmund Freud já havia apontado o conflito fundamental entre os desejos do indivíduo (o Id) e as demandas da civilização (o Superego) como a fonte do nosso “mal-estar”. O Ego, nosso mediador interno, vive tentando equilibrar esses pratos.
Na sociedade do cansaço, esse conflito é levado a um novo patamar. O Superego não é mais apenas a voz internalizada das normas e proibições sociais; ele se tornou um coach de performance tirânico. Ele não apenas nos proíbe de certas coisas, mas nos comanda a sermos mais felizes, mais produtivos, mais saudáveis, mais otimizados. Enquanto isso, o Id busca a gratificação instantânea oferecida pelas curtidas e pela validação digital. O Ego, espremido entre a exigência infinita de maximizar o desempenho e a busca por recompensas efêmeras, entra em colapso, resultando na exaustão crônica que tantos de nós sentimos.
É Possível Descansar?
A análise conjunta de Han, Bauman e Freud nos mostra que o cansaço contemporâneo não é uma falha pessoal, mas um sintoma de uma cultura doente. Superar esse mal-estar exige mais do que dicas de produtividade ou retiros de fim de semana. Exige uma reflexão crítica sobre os valores que nos guiam.
Precisamos questionar a lógica capitalista que se infiltrou até em nossos momentos de lazer. É necessário desconstruir as ideologias doentias que nos forçam a uma performance incessante e nos reapropriar do nosso tempo e da nossa atenção. Talvez o primeiro passo seja reaprender a arte de não fazer nada, de contemplar, de nos conectarmos de forma autêntica com as pessoas ao nosso redor, longe da vitrine digital. A verdadeira liberdade pode não estar em “poder fazer tudo”, mas em escolher, conscientemente, o que não fazer.
Referências Bibliográficas
PALMA, M. A. M. M., HERCULANO, V. C., A Sociedade do Cansaço de Byung-Chul-Han: o Existencialismo da Digitalização das Redes. Complexitas – Rev. Fil. Tem. Belém, v. 6, n. 1, p. 11-23, jan./dec. 2021.
Han, B.-C. A sociedade do cansaço. Tradução de Enio Paulo Giachini. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.
Bauman, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
Freud, S. O mal-estar na civilização. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.