O laicismo, enquanto corrente filosófica, surge com mais evidência no final do séc. XIX e ínicio do sec. XX, após um período histórico marcado pela fusão de Estado e Religião na política das Nações.
Suas bases estão calcadas na liberdade de consciência do cidadão e à origem democrática do Estado, trazendo a concepção evidentemente iluminista, de separação do Estado das correntes religiosas, onde este primeiro adota uma postura de neutralidade em detrimento do segundo.
No entanto, jamais pode-se confundir Laicismo com Ateísmo. Estado Laico é aquele que acolhe todas as religiões, sem fazer distinção entre tais e não elegendo uma oficial, ao passo que, no ateísmo temos a não tolerância de fé, onde esta não será acolhida , nem reconhecida.
Sintetizando o pensamento, citemos Max Weber, ao dizer ” Deus é um tipo ideal criado pelo homem”, demonstrando assim a ânsia do pensamento social em retirar da organização politica a interferência da religiosidade.
Os países podem ser laicos e não laicos. No ocidente concentra-se a maior parte dos países laicos, enquanto que países não laicos ou teocráticos, remontam culturas e povos antigos, em sua maioria, no oriente médio tais como o Irã.
2.0 – Opinião Doutrinária
Para De Plácido e Silva LAICO.Do latim laicus, é o mesmo que leigo, equivalendo ao sentido de secular, em oposição do de bispo, ou religioso.” (SILVA, 1997, p. 45).
Celso Ribeiro Bastos bem ensina que: “A liberdade de organização religiosa tem uma dimensão muito importante no seu relacionamento com o Estado. Três modelos são possíveis: fusão, união e separação. O Brasil enquadra-se inequivocadamente neste último desde o advento da República, com a edição do Decreto 119-A, de 17 de janeiro de 1890, que instaurou a separação entre a Igreja e o Estado.” (BASTOS, 1996, p. 178).
Pinto Ferreira ainda destaca o quanto a igreja católica foi ligada ao Império Brasileiro : “O Artigo 113, item 5º da constituição de 1934 estatuiu que as associações religiosas adquiriram personalidade jurídica nos termos da lei civil. Os princípios básicos continuaram nas constituições posteriores até a vigente.” (SILVA, J., 2000, p. 254).
Michel Villey vislumbra uma clara e indesejável tendência nos sistemas jurídicos contemporâneos de conferirem à laicidade um conteúdo de antagonismo à religião, deturpando-a em puro laicismo, no qual, a fé é desprezada e totalmente substituída pelo racionalismo profano (A formação do pensamento jurídico moderno, SP, Martins Fontes, 2005). Nega-se a ressurreição de Cristo, bem como seus milagres relatados por testemunhas no Evangelho porque tais fatos ofendem a razão mundana. Tudo o que não for possível demonstrar racionalmente, à luz da compreensão humana não é científico, não é laico, logo, se opõe ao Estado racional e moderno
3.0- Estado Laico x Ateísmo de Estado
Como anteriormente abordado, o Estado Laico não pode ser confundido com o Estado Ateu. Tratam-se de duas filosofias distintas, sem semelhanças ou pontos que possam ser confundidos.
Laico ou leigo, originário do grego, provém dos termos laikós, que se refere à povo. Segundo Dom Fernando Antônio Figueiredo, o termo laikós serve apenas para diferenciar as pessoas consagradas para uma missão especial, tais como diáconos, presbíteros e bispos, daqueles que são apenas consagrados no batismo.
O laicismo dentro da organização política, surge como uma volta ao movimento iluminista do final do séc. XVII, onde o teocentrismo enfrenta a sua queda, contrapondo-se assim aos dogmas absolutos pré-estabelecidos que apregoavam Estado e Religião confundindo-se em um só, sendo a interferência do segundo muito mais efetiva.
É através dessa perspectiva que surge o laicismo como forma de separação entre Poder Estatal e Religião. Nasce a concepção de Estado totalmente afastado das instituições religiosas, não mantendo com estas nenhum vínculo mas, respeitando e acolhendo todas as formas de cultos. Laico não significa inimigo da religião.
Todavia, o ateísmo é a ausência de religião, ou seja, a falta de credo religioso. Obviamente, a renúncia que representa o ateísmo também é aceita dentro de um Estado Laico. Por ser baseado na democracia e na liberdade de consciência, tanto caberá neste Estado qualquer manifestação religiosa, quanto será igualmente aceito aquele que não desejar tê-la.
Ora, estamos falando em liberdade de crença, essa liberdade pressupõe uma faculdade. Não há obrigação, dentro do Estado Laico, de escolher uma religião.
4.0 – Perspectiva Constitucional e suas evoluções
Historicamente, a igreja representou bastante influência no Brasil, tanto o é, que o primeiro nome de nosso país foi Terra de Santa Cruz e sua primeira solenidade foi uma missa realizada em sol brasileiro.
Até o advento da República, a legislação brasileira estabelecia a religião Catholica Apostólica Romana, como a religião oficial do Império, estando prevista no art. 5º da Constituição Outorgada de 25 de março de 1924.
No mesmo dispositivo, permitia-se todas as outras religiões desde que em culto doméstico ou particular, em casas destinadas para tal, sendo defeso qualquer manifestação exterior de templo. Aparentemente podemos crer que seria aceito pela sociedade do império aqueles que tivessem cultos diferentes do Católico, muito nos enganamos. Seguindo com a referida leitura da Constituição de 1824, só era dotado de elegibilidade para o congresso as pessoas que fossem católicas e assim o professassem. Como então, seria aceito, se para aqueles não Catholicos, era negado o direito à ser representante da sociedade junto às casas legislativas da Nação?
Mais a frente na Constituição de 1934, em seu art. 113, item 5º, estava disposto que as associações religiosas adquiriram personalidade jurídica nos termos da lei civil.
4.1 – A Constituição atual
Grande divergência há, quanto a interpretação da Constituição de 1988, mesmo sendo claro em seu texto, que o Brasil é um Estado Laico. Tal dúvida surge do preâmbulo constitucional ao invocar a proteção de Deus, in verbis:
“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”
Acerca do preâmbulo, vejamos o que nos diz João Barbalho :
” O preâmbulo enuncia por quem, em virtude de que autoridade e para que fim foi estabelecida tal constituição. Não é uma peça inútil ou de mero ornato na construção dela: mas simples palavras que constituem, resumem e proclamam o pensamento primordial e os intuitos dos que o arquitetam.”
(BARBALHO, 1924, p. 03 apud FERREIRA, 1989, p.03).
Para Ferreira “o preâmbulo é uma parte introdutória que reflete ordinariamente o posicionamento ideológico e doutrinário do poder constituinte.” (FERREIRA, 1989, p. 03)
A doutrina parte-se em três grandes correntes . A primeira, afirma que o texto do preâmbulo constitucional tem força coativa, ao passo que a segunda corrente acredita tratar-se de mera peça introdutória sem força de coação alguma. No terceiro posicionamento estabelecido, afirma-se que o texto preambular terá força, somente quando for reafirmado no texto constitucional.
Em contra- partida, apesar da invocação do nome de Deus no preâmbulo da Constituição Federal de 1988,o art. 5 , VI da carta Magna é claro garantir a liberdade de crença a todos os cidadãos, ou seja, ao declarar o Brasil um estado Laico. Vejamos o dispositivo in verbis:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…)
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;”
Reafirma, o posicionamento separatista de religião e estado, o art.19, I, CF, ao estabelecer:
“Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
(…)”
Neste sentido, bem ensina Pontes de Miranda que “estabelecer cultos religiosos está em sentido amplo: criar religiões ou seitas, ou fazer igrejas ou quaisquer postos de prática religiosa, ou propaganda. Subvencionar está no sentido de concorrer, com dinheiro ou outros bens de entidade estatal, para que se exerça a atividade religiosa. Embaraçar o exercício significa vedar, ou dificultar, limitar ou restringir a prática, psíquica ou material dos atos religiosos”. (MIRANDA apud SILVA, J., 2000, p. 253 e 254)
Conclusão
Primeiramente vêmos como ponto primordial para posicionar-se dentro da problemática proposta pelo presente trabalho, o conhecimento e o esclarecimento de conceitos como laicismo e ateísmo. Posteriormente, há que se levar em consideração todas as indagações doutrinárias a respeito do tema, uma vez que, contribuem de maneira significativa para o estudo empírico e para a formação da opinião crítica devidamente fundamentada.
Escolher um lado para ficar, um posicionamento a tomar, pelo estado laico ou não laico, não é uma tarefa simples. Se assim o fosse, com certeza não estariam sendo consideradas todas as particularidades culturais de um povo. Ora, como não considerá-las se é justamente para este povo que as leis e o ordenamento jurídico tem a essência de existir.
Na realidade brasileira, temos um povo etnicamente fundido, cujas raízes podem remontar todo o globo terrestre. Assim, optarmos por um estado laico não é somente uma questão ideológica mais sim uma questão de justiça para com todos os brasileiros. Como democracia que somos, com nossos acertos e com nossos erros, que frequentemente são maiores para nossa infelicidade, nada mais acertado que conceder liberdade de crença e de consciência a todos nossos cidadãos, e mais, afastar a tutela do estado para garantir uma liberdade real.
Para finalizar, nos posicionamos como Fernando Capez, que brilhantemente em seu artigo O Estado laico e a retirada de símbolos religiosos de repartições públicas, disse: “Cabe ao Estado e à sociedade em geral não encorajar manifestações de intolerância daqueles que se sintam ofendidos pela livre expressão da fé alheia.”
Paz social, esta deve sempre ser a busca do Estado em consonância com o ordenamento jurídico, para cada vez mais fortalecer as bases da nossa nação e torná-la uma democracia real.
Referências:
BASTOS. Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 17ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1996.
FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição Brasileira. 1ª ed. v. I, São Paulo: Saraiva, 1989.
MORAES. Alexandre de. Direito Constitucional. 17ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2005.
SILVA. De Plácido. Vocabulário Jurídico. 12ª ed. v. III, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1997.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2000