Quantas vezes, ao final de um projeto escolar incrível, a primeira reação é sacar o celular para tirar fotos dos alunos? Inegavelmente, é um impulso natural, vindo do orgulho pedagógico. Queremos mostrar ao mundo o trabalho fantástico que acontece dentro da escola. Contudo, no momento em que essa foto sai do âmbito privado (a sala de aula) e entra na esfera pública (redes sociais, site da escola, grupos de WhatsApp), entramos em um território legal complexo.

A imagem de uma criança não é apenas um registro bonito; ela é, acima de tudo, parte da sua identidade, um dado pessoal sensível.
No Brasil, temos duas legislações principais que atuam como guardiãs dessa identidade: o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Portanto, como educadores e gestores, nosso desafio é equilibrar o orgulho pedagógico com a ética do cuidado.
1. Quais autorizações dos pais são exigidas pela LGPD e pelo ECA?
Aqui está o centro da questão. De fato, ambas as leis são enfáticas: o tratamento (coleta, uso, publicação) de dados de menores de idade exige consentimento específico e em destaque dado por, pelo menos, um dos pais ou pelo responsável legal.
Vamos, então, explicar o que isso significa na prática:
- Não basta o “Termo de Matrícula”: Aquele contrato de matrícula que os pais assinam, com uma cláusula genérica no meio de 20 páginas dizendo que “autoriza o uso da imagem para fins pedagógicos”, não é mais suficiente segundo a LGPD.
O ECA como Fundamento da Dignidade
Primeiramente, é preciso entender que, antes mesmo da LGPD, o Estatuto da Criança e do Adolescente já blindava essa questão. O Artigo 17 é explícito ao determinar que: “O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade e da autonomia”.
Em outras palavras, a imagem é parte da identidade moral da criança. Além disso, o Artigo 18 complementa essa visão, reforçando que é “dever de todos” (e a escola é um “todos” fundamental) “zelar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”. Sendo assim, publicar uma foto sem consentimento ou de forma inadequada pode, sim, ser considerado um ato constrangedor.
A LGPD e a Mecânica do Consentimento
Em segundo lugar, a LGPD (Art. 14) vai além da proteção da dignidade e entra na mecânica do consentimento. Ela exige que essa autorização seja livre, informada e inequívoca.
- Livre: O pai não pode ser coagido a aceitar.
- Informado: A escola deve dizer exatamente o que fará com a imagem (veremos isso no próximo tópico).
- Inequívoco: O “sim” deve ser claro, não presumido.
Consequentemente, a escola precisa de um documento separado do contrato de matrícula, focado exclusivamente na autorização do uso de imagem.
2. Como redigir um Termo de Autorização seguro para uso de imagem?
Um termo de autorização seguro não é um “cheque em branco”. Pelo contrário, ele é um “contrato de confiança” entre a escola e a família. Para ser válido perante a LGPD e o ECA, ele deve ser cristalino.
Os Pilares de um Termo Válido
Esqueça o “autorizo para todos os fins”. Para ser efetivo, o termo seguro deve detalhar:
- A Finalidade (O porquê): A imagem será usada para quê?
- Exemplo Pedagógico: Portfólio interno, trabalhos em sala de aula, mural da escola (acesso restrito).
- Exemplo Promocional (Publicidade): Posts patrocinados em redes sociais, outdoors, folders de matrícula. (Este é o uso mais sensível e exige consentimento ainda mais claro).
- Exemplo Jornálístico/Informativo: Matéria no site da escola sobre a feira de ciências, post no Instagram (orgânico) sobre o evento.
- Os Canais (Onde): Onde essa imagem poderá aparecer?
- Canais Internos: Plataforma Moodle/AVA, murais físicos da escola, aplicativo de comunicação interna.
- Canais Externos (Públicos): Site oficial da escola, perfis em redes sociais (Instagram, Facebook, YouTube), imprensa (jornais locais).
- O Prazo (Até quando): Por quanto tempo a escola pode usar essa imagem?
- Pode ser “durante o ano letivo de 20XX”.
- Pode ser “por até 5 anos após a captação” (comum para publicidade).
- Jamais use “por tempo indeterminado”.
- O Direito de Revogação: O termo deve informar aos pais que eles podem revogar (cancelar) essa autorização a qualquer momento, de forma fácil e gratuita.
Reflexão Interdisciplinar: Do ponto de vista da Psicopedagogia, a autoimagem da criança está em formação. Ao pedirmos essa autorização, não estamos apenas cumprindo uma lei; estamos, sobretudo, comunicando à família que respeitamos a individualidade e a identidade daquele aluno.
3. Quais sanções a escola pode sofrer por publicar imagens de menores?
Aqui, o “clique” descuidado encontra suas consequências legais e reputacionais. Afinal, se a escola publicar uma foto de aluno sem autorização adequada, ela se expõe a um risco triplo:
A. Sanções da LGPD (Via ANPD)
A LGPD é famosa por suas multas pesadas. Por isso, as sanções para a escola podem incluir:
- Advertência: Um “puxão de orelha” oficial da ANPD, com prazo para corrigir a falha.
- Multa: Pode chegar a 2% do faturamento da instituição (limitada a R$ 50 milhões).
- Publicização da Infração: A ANPD pode tornar público que a escola “X” violou a lei de proteção de dados. Do ponto de vista do Marketing e da reputação, isso é devastador.
- Eliminação dos Dados: A escola pode ser forçada a apagar todo o seu banco de imagens de alunos.
B. Sanções do ECA e do Código Civil (Via Justiça Comum)
Paralelamente, antes mesmo da LGPD, as famílias já podiam processar as escolas com base no ECA e no Código Civil.
- Ações de Indenização por Dano Moral: Este é o mais comum. Os pais podem alegar que a exposição indevida da imagem do filho (baseados nos Art. 17 e 18) causou constrangimento ou angústia, e a Justiça pode determinar o pagamento de indenizações.
- Ordem de Remoção Imediata: Um juiz pode determinar a remoção imediata do conteúdo das redes sociais ou do site, sob pena de multa diária.
C. O Custo Intangível: A Reputação
Por fim, como professor que também atua na área de Comunicação, afirmo: a sanção mais grave não é a multa, é a quebra de confiança. Uma escola que não demonstra cuidado com a imagem e os dados dos seus alunos perde sua credibilidade. Sem dúvida, a confiança é o ativo mais valioso de uma instituição de ensino.
Conclusão: O Cuidado Digital como Prática Pedagógica
Caros colegas, não podemos permitir que o medo da lei paralise nossa prática. De modo algum. O objetivo não é parar de registrar os momentos ricos da jornada educacional.
Na verdade, o objetivo é trazer o consentimento para o centro da nossa cultura escolar. A tecnologia nos deu ferramentas incríveis para compartilhar o aprendizado, mas ela exige uma nova camada de responsabilidade.
Respeitar o direito de imagem do aluno não é uma formalidade legal; é, antes de tudo, uma extensão da nossa missão de educar para a cidadania, o respeito e a ética. Portanto, antes de publicar, devemos sempre nos perguntar: “A família deste aluno está 100% ciente e confortável com esta exposição?”.
Na dúvida, não publique. No planejamento, inclua o diálogo transparente.


