Setembro Amarelo falha em sua missão

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Setembro Amarelo em Análise: Estamos no Caminho Certo para a Prevenção do Suicídio?


Neste mês de setembro, laços amarelos, posts em redes sociais e debates públicos voltam a colorir nosso cotidiano com um propósito nobre: a prevenção do suicídio. A campanha “Setembro Amarelo”, iniciada em 2014 pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), tornou-se um marco na quebra do tabu que envolve a saúde mental. A iniciativa busca concentrar o tema durante todo o mês para prevenir o suicídio através de conversas e acesso à informação.

No entanto, como profissionais da psicologia e da psicopedagogia, nosso papel vai além de endossar campanhas. Devemos analisá-las criticamente, baseando-nos em dados e evidências para entender se as estratégias adotadas estão, de fato, gerando os resultados esperados. Um recente estudo de revisão integrativa nos convida a essa reflexão profunda sobre a real eficácia das campanhas de prevenção.

A Eficácia em Xeque: O Que os Números Revelam?


A premissa de que mais informação leva a mais prevenção parece lógica, mas os dados apresentados em um estudo publicado pela Brazilian Journal of Health Review contam uma história mais complexa. A pesquisa aponta para uma realidade preocupante: desde o início da campanha, os números de autoextermínio no Brasil têm aumentado.

Vamos analisar os dados concretos levantados pelo estudo:

  • Lesões Autoprovocadas: Entre 2015 e 2016, o número de notificações de lesões autoprovocadas aumentou. Foram 4.087 novos casos femininos e 1.917 novos casos masculinos no período.
  • Taxa Bruta de Suicídio: Houve um aumento progressivo na taxa bruta de suicídios nos anos de 2014, 2015 e 2016, sendo de 5,5, 5,7 e 5,7, respectivamente, para cada cem mil habitantes.
  • Tentativas por Intoxicação: As tentativas de suicídio por intoxicação exógena também cresceram anualmente. Em 2014, foram 33.733 registros, número que saltou para 40.408 em 2017.
  • Populações Vulneráveis: Desde 2014, os índices de suicídio na população negra também só aumentam. Em 2016, a cada dez suicídios entre jovens, seis ocorreram em negros.

Esses números não significam que a campanha seja a causa do aumento, mas levantam um questionamento inevitável sobre sua efetividade e o modo de operação das iniciativas até então.

Por Que a Campanha Pode Não Estar Atingindo seu Objetivo?


O estudo sugere algumas hipóteses para essa aparente ineficácia, que merecem nossa atenção:

O Risco do “Efeito Contágio”: A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece que a veiculação inadequada de notícias sobre suicídio na mídia é um fator de risco que pode gerar “repetição” do ato, ou o “efeito copycat”. A superexposição ao tema, sem o devido cuidado, pode estimular a ação em indivíduos já vulneráveis.

A Estratégia da Mensagem: As campanhas frequentemente partem do princípio de que o público não tem informação suficiente. No entanto, pesquisas mostram que a população geral pode até ter acesso a informações, mas sente dificuldade em aplicá-las em uma situação real. Ocorre uma padronização da mensagem, que influi sobre o potencial suicida uma forma de se manifestar e, àquele que acolhe, maneiras de “ajudar”, o que pode banalizar as complexidades psicossociais do problema.

Falta de Direcionamento: O conteúdo produzido muitas vezes não diferencia o público-alvo. Uma mensagem de conscientização para a população geral é diferente da mensagem que deve ser direcionada a um indivíduo com comportamento suicida. Essa falta de distinção pode gerar uma confusão generalizada de informações.

Foco em Fatores de Risco: As campanhas atuam mais nos fatores de risco (como a depressão) do que na prevenção direta do ato. Contudo, o aumento do acesso à informação, por si só, não possui relação direta com a mudança de comportamento social.

Caminhos para o Futuro: Para Além da Conscientização


A crítica não deve servir para invalidar o “Setembro Amarelo“, mas para aprimorá-lo. A conscientização é o primeiro passo, mas não pode ser o único. A análise dos dados nos mostra que precisamos de estratégias mais robustas e multifacetadas.

Investimento em Serviços de Saúde: O estudo destaca que a existência de um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) diminui em 14% o risco de suicídio no país. Isso demonstra que o acesso a serviços de saúde mental eficazes é uma política de prevenção fundamental.

Educação Permanente: É crucial investir na educação permanente dos profissionais de saúde, levando conhecimento multidisciplinar às equipes para que a intervenção cotidiana seja mais efetiva.

Cuidado com os Enlutados: As campanhas precisam expandir seu foco e incluir a ética do cuidado para com aqueles que vivem a dor e o luto pela perda de parentes e amigos por suicídio, um grupo frequentemente esquecido.

Como profissionais, temos a responsabilidade de promover um debate qualificado. O “Setembro Amarelo” abriu uma porta importante. Agora, precisamos atravessá-la com estratégias baseadas em evidências, cuidado direcionado e políticas públicas eficazes, garantindo que a prevenção ao suicídio seja uma prática real e contínua, muito além de um mês no calendário

Referências Bibliográficas

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  • ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA (ABP). ABP lança blog para site da campanha Setembro Amarelo [site da internet] 2018 [citado em 20 de setembro de 2021]. Disponível em: https://www.abp.org.br/post/jph12-blog-campanha-setembro-amarelo.
  • BERTOLOTE, José Manoel; FLEISCHMANN, Alexandra. Suicide and psychiatric diagnosis: a worldwide perspective. World psychiatry, v. 1, n. 3, p. 181, 2002.
  • BEZERRA, Jaqueline de Jesus; DA SILVA, Francisco Vieira. As cores da vida: Estratégias biopolíticas nas campanhas setembro amarelo, outubro rosa e novembro azul. Miguilim-Revista Eletrônica do Netlli, v. 8, n. 2, p. 728-741, 2019.
  • BRASIL. Ministério da Saúde atualiza dados sobre o suicídio [documento na internet] 2018 [citado em 20 de setembro de 2021]; 1 (1): [cerca de 50 p.]. Disponível em: < http://www.riosemfumo.rj.gov.br/Publico/MostrarArquivo.aspx?C=4uOe2D9Xd%2Fo%3D>.
  • CHAMBERS, David A. et al. The science of public messages for suicide prevention: A workshop summary. Suicide and Life-Threatening Behavior, v. 35, n. 2, p. 134-145, 2005.