Resenha: Cinco escritos morais (Umberto Eco)

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Exame crítico“Pensar a guerra”, o primeiro dos capítulos, descobre por que a guerra passou tem ser hoje em dia inviável. Este artigo, escrito em abril de 1991 e publicado na Rivista dei Libri nos dias da guerra do Golfo pretende convencer ao leitor de que é de sentido comum negar que qualquer contenda

seja fructífera. Para isso se empregam uma série de argumentos cuja intenção é demonstrar que toda batalha está em absoluta contradição com as mesmas razões pelas que se leva a cabo. Em relacionamento com o mencionado, Umberto Eco afirma que a sociedade da informação instantânea e do transporte rápido, da emigração intercontinental contínua, unida à natureza da nova tecnologia fez da guerra algo impossível e irrazonable. Por conseguinte, as novas tecnologias da comunicação permitem fluxos informativos capazes de neutralizar qualquer ação surpresa e com ela a própria guerra, já que não existe contenda na que não possa ser surpreendido ao adversário. Por outra parte, a atual guerra já não enfrenta duas pátrias, se trata de uma concorrência entre infinitos poderes financeiros já que o próprio conflito se joga em termos econômicos. Finalmente, devido à multiplicação dos poderes que tomam parte na contenda, é possível que, ao finalizar, a configuração decorrente seja beneficiosa para um dos contendientes, mas em linhas gerais a guerra está perdida para todos. Desta forma, e como cita o autor, vá como vá a guerra, ao haver provocado uma redistribuição geral dos pesos que não pode corresponder plenamente à vontade dos contendientes, a guerra se prolongará em uma dramática instabilidade política, econômica e psicológica durante décadas vindouras, que não poderá senão produzir uma “política guerreada”.

Seguindo a mesma linha, este artigo trata também o papel dos intelectuais em todo conflito, fazendo uma clara distinção entre intelectualidad e função intelectual. Para Eco, os intelectuais, como categoria, são algo muito vadio. No entanto, a função intelectual consiste em determinar criticamente o que se considera uma aproximação satisfatória ao próprio conceito para valer. Por conseguinte, afirma que o mundo intelectual não calou sobre o problema da guerra mudando, desta forma, a concepção do mundo sobre este conceito. Isto é, conseguiram fazer com que a gente julgue a guerra como um mau sendo que outrora a julgava um bem.

Finalmente, o autor sustenta que o que alguns interpretaram como o silêncio dos intelectuais sobre a guerra foi, quiçá, o temor a falar dela em quente através dos meios de comunicação, pelo simples fato de que os meios de comunicação fazem parte da guerra e de seus instrumentos, e, portanto, é perigoso os considerar território neutro.

Em conclusão, Umberto Eco pretende, com este artigo, dizer que a guerra hoje anula toda iniciativa humana, e inclusive, que sua mesma finalidade aparente (e a vitória aparente de um dos contendientes) é tão inviável como a própria iniciativa de empreender uma contenda nos tempos que correm.

No referente a este capítulo do livro, cabe destacar a particularidade dos argumentos utilizados pelo autor para levar ao leitor a seu terreno. Por conseguinte, não trata o tema apelando unicamente ao infrequente sentido comum dado que existem infinitas posições e interesses ao redor do belicoso negócio que é a guerra. Pelo contrário, dá uma focagem inusitado ao mesmo tempo que completo e coerente dos motivos que impulsionaram em outras épocas a empreender contendas, bem como das razões pelas quais seria improductivo promover na atualidade. Para isso utiliza um conjunto argumentativo que engloba, desde o poder econômico e político da cada nação, até o controle exercido pelos meios de comunicação e as novas tecnologias em aspetos tão afastados de seu campo de atuação como poderiam ser as ações bélicas. Desta forma, desde um raciocínio juicioso e uma cuidada “função intelectual”, Eco transporta ao leitor à dimensão do ético, sem ignorar, como é próprio, uma perceptible alusão à dialética.

Por conseguinte, mediante uma série de recursos literários inerentes ao estilo deste renomado escritor, Umberto Eco consegue aderezar um texto cuja mensagem vai para além de um depoimento antibelicista para dar local a uma reflexão clara e profunda sobre o passado, presente e futuro dos conflitos bélicos bem como das causas e impulsos que movem aos cidadãos a se misturar em ditos encontros. Neste aspeto, o autor cuida-se muito de expor os numerosos inconvenientes de uma guerra afirmando que na atualidade não existe contenda com vencedores, senão que todo aquele que participa resulta, de uma maneira ou outra, vencido.

  • O segundo dos escritos, “O fascismo eterno”, foi pronunciado, em sua versão inglesa, em um congresso organizado pelos departamentos de filología italiana e francesa da Columbia University o 25 de abril de 1995 para comemorar o aniversário da insurrección geral da Itália do Norte contra o nazismo e a libertação da Europa.

Este artigo, escrito para um público estudantil, trata de forma muito explícita e singela as caraterísticas do fascismo bem como as razões pelas que segue ainda vigente em nossos dias.

O capítulo começa com uma breve alusão à infância de Umberto Eco mediante a qual se pretende informar ao leitor (ou ouvinte) da situação política existente na Itália dos anos 40. Deste modo, com esta concisa embora significativa introdução ao conceito de fascismo, o autor introduz-se no terreno das ideologias ditatoriais afirmando que por trás da cada regime e suas doutrinas há sempre uma maneira de pensar e de sentir, uma série de hábitos culturais e uma nebulosa de instintos escuros e de pulsiones insondables. Com esta tese, o autor pretende demonstrar que apesar de que exista a possibilidade de derrubar os regimes políticos e de criticar e tirar legitimidade às ideologias, sempre prevalecem elementos característicos de determinadas formas de governo que as fazem universais e, sobretudo, análogas em muitos de seus aspetos.

Para isso, Eco se serve do exemplo do fascismo, uma palavra que se converteu em uma sinécdoque para movimentos totalitarios diferentes. O fascismo, como tal, é, sem local a dúvidas ditatorial, embora não é integralmente totalitario devido a sua tibieza e, especialmente, à fragilidad filosófica de sua ideologia. Por conseguinte, trata-se de um totalitarismo confuso que se baseia, não em uma idéia monolítica, senão em um collage de diferentes idéias políticas e filosóficas. Isto é, é uma corrente de contradições que se montam firmemente com determinados arquétipos.

Desta forma, é exeqüível admitir que o fascismo se adapta a todo porque dá a possibilidade de eliminar ou modificar algum de seus aspetos e sempre poderemos continuar o reconhecendo como fascismo.

Partindo desta idéia, o autor propõe uma série de caraterísticas típicas do que ele denomina o Ur-Fascismo ou fascismo eterno. Apesar de que muitas delas se contradizem, e outras são próprias de diferentes formas de despotismo ou fanatismo, basta apenas que qualquer delas esteja presente para fazer coagular uma nebulosa fascista.

Em primeiro lugar, propõe como elemento comum o culto à tradição, cuja consequência direta é a inviabilidad de um desenvolvimento do saber. Esta idéia baseia-se na crença fascista de uma verdade já anunciada. Desta forma, todo indivíduo restringirá sua ciência à interpretação de dita verdade absoluta. Neste aspeto, cabe destacar o surpreendente relacionamento entre a existência de um movimento fascista e o em massa aparecimento de pensadores tradicionalistas.

Outra das caraterísticas assinaladas é a rejeição do modernismo. Ao fio do anterior, a negação dos valores espirituais tradicionais suporia um avanço no saber convite ao pensamento crítico. Neste sentido, o Ur-Fascismo poderia ser definido como irracionalismo.

Em terceiro local encontramos o que Umberto Eco denomina o culto da ação pela ação. Esta prática consiste em proceder sempre “antes” de e sem reflexão alguma e se fundamenta na idéia de que pensar é uma forma de castración.

Um quarto elemento seria a convicção UrFascista de que todo desacordo é traição. O Ur-Fascismo entende o desacordo como um instrumento de progresso dos conhecimentos, o que atenta contra todas e a cada uma das caraterísticas citadas.

Outra idéia representativa é o medo à diferença. O nacionalismo gerado a raiz de uma perda de identidade dos indivíduos-súbditos expressa-se mediante o sentimento racista inerente a todo regime fascista. Desta forma, o líder faz um apelo contra os intrusos como medida para preservar essa falta de identidade.

Um sexto aspeto do Ur-Fascismo surge da frustração individual ou social. Por conseguinte, todo líder faz um apelo às classes médias desengañadas, desazonadas por alguma crise econômica ou humillación política e assustadas pela pressão dos grupos sociais subalternos.

Outra das caraterísticas expostas seria a obsessão de todo regime fascista pelo complô, possivelmente internacional. Uma vez mais, Eco apela ao nacionalismo como ausência de identidade para fundamentar a xenofobia.

Como oitavo elemento comum surge o paradoxo entre a debilidade e fortaleza dos inimigos. Neste aspeto, os secuaces devem ser sentido azarados pela riqueza ostentada e pelo poder do inimigo. Com tudo, o fascismo se considera incapaz de valorizar objetivamente a força de seu inimigo.

Um nono ponto de encontro para o Ur-Fascismo é a sentença “não há luta pela vida senão mais bem vida para a luta”. Desta forma, o fascista renega do pacifismo já que não contempla uma vida sem guerras permanentes. Não obstante, apesar do rigor desta premissa, existe uma clara contradição que nenhum líder deste movimento soube resolver. Esta incoherencia parte da base de uma guerra contínua na que um dos contendientes irá tomando, gradualmente, o controle do mundo. Seguindo este raciocínio, no momento no que aconteça a batalha final e um dos combatentes ostente o poder, inevitavelmente sobrevendrá uma era de paz ante a qual o fascismo perderá sua razão de ser.

Um décimo aspeto a tratar é o desprezo pelos débis. Nesta matéria cabe destacar o duplo sentido do conceito. Por um lado, se produzirá um elitismo popular pelo qual a cada cidadão achará pertencer ao melhor povo do mundo e a cada membro do partido se considerará superior ao resto. Por outra parte, todo líder subordinado desprezará a seus subalternos tanto como estes a seus inferiores, desta forma, ficará estabelecida a estrutura de um elitismo de massas.

Outra das caraterísticas assinaladas é a consideração da heroicidad como padrão de conduta. Desta forma, todo cidadão estará educado para converter em um ídolo e considerará a morte como a melhor recompensa a uma vida heróica. Por conseguinte, este culto ao valor ficará perigosamente vinculado ao culto à morte, o que sem dúvida constitui outro dos elementos próprios do Ur-Fascismo.

Em duodécimo local, o Ur-Fascismo transfere sua vontade de poder a questões sexuais. Esta questão, além de ser a origem do machismo em todo regime totalitario, supõe uma condenação intolerável para os costumes sexuais não conformistas, desde a castidade até a homossexualidade.

Uma nova caraterística desta doutrina é que tem sua base no populismo qualitativo, isto é, a consideração do povo como uma entidade monolítica que expressa sua vontade comum obviando os direitos dos indivíduos. Dentro desta concepção antidemocrática da cidadania, o líder jogaria um papel de intérprete dos desejos e necessidades de suas súbditos. Por conseguinte, dado que não é exeqüível controlar as vontades individuais da cada um dos cidadãos, o próprio líder se encarregaria de tomar as decisões que considerasse pertinentes para o bem-estar de seu povo seguindo o particular critério do interesse próprio.

Ao fio do anterior cabe exemplificar dito populismo qualitativo nos atuais meios de comunicação de massas, concretamente as televisões e Internet. Neste caso, a resposta de determinados cidadãos (uma minoria deles) estará considerada como a voz do povo. Por conseguinte, as decisões concernientes a este âmbito se tomarão em base às opiniões de uns poucos, tendo em conta unicamente seus gostos e interesses que, possivelmente, difiram dos do resto de afetados.

Como último aspeto comum cabe citar a utilização de um léxico escasso bem como de uma sintaxe elementar em todo texto escolar fascista com o fim de limitar os instrumentos para o raciocínio complexo e crítico. A esta prática se lhe poderia denominar, segundo o autor, “neolengua”, termo que faz referência à famosa obra de Orwell e que aplica sem nenhuma vacilação aos reality shows e, de modo geral, ao conjunto dos meios de comunicação. Neste caso, a dinâmica de provocação e agresividad verbal utilizada como carnaza para incrementar as audiências é o que permanece e cria hábito, fomentando a convicção de que nos meios de comunicação tudo está permitido e submetendo às audiências a verborreas mediocremente elocuentes que distan muito de promover o pensamento crítico.

Finalmente e como conclusão, este ensaio dedicado ao fascismo parte do modelo italiano para razoar as diferentes caraterísticas que definem a um sistema político como fascista, cujas maneiras seguem vigentes hoje em outras situações ou com formas mais adequadas aos tempos que correm.

Por outra parte, a atitude de Eco é um novo exemplo de função intelectual, tanto no esforço de busca de argumentos, como na luta por uma maior clareza na discussão intelectual e nas posições políticas fugindo, em todo momento, do ataque verbal. Neste aspeto, o autor trata o tema de uma maneira objetiva, propondo as mais variadas linhas argumentales e eludindo, na medida do possível, afirmar em uma posição de maneira explícita, permitindo desta forma que o leitor extraia gradualmente suas próprias conclusões. Por conseguinte, juicioso na maioria de casos e recorrendo à ironia em alguns outros, Umberto Eco consegue, neste artigo, erigir as bases do fascismo e desvelar o por que de uma doutrina com tão dilatada existência.

  • O terceiro capítulo, “Sobre a imprensa”, é um relacionamento apresentado no curso de uma série de seminários organizados pelo Senado, ante os representantes dos jornais italianos mais relevantes. Trata a situação da imprensa italiana do momento, sobretudo em seus relacionamentos com o mundo político.

Este dividido em oito seções, a cada uma das quais faz uma crítica feroz a um modelo influenciado pela televisão, a política e a publicidade.

Em primeiro lugar, o autor tenta pôr em situação ao leitor expondo as polêmicas existentes nos anos 60 e 70 no referente à imprensa. Por conseguinte, trata de utopia ao conceito de objetividade, argumentando que a eleição de uma notícia constitui um elemento de julgamento em si mesmo. Do mesmo modo, desdenha a possibilidade de uso dos jornais como instrumentos de poder alegando uma mudança na linguagem dos políticos quem, hoje por hoje, relegan a linguagem críptico em favor das críticas diretas a suas oponentes.

Por outra parte, estuda o processo de semanalización dos diários em resposta à repentina incorporação da televisão como primeira fonte de notícias. Nos anos 60, os jornais davam a notícia antes que qualquer outro médio e depois intervinham outras publicações para aprofundar na questão. Com o desenvolvimento qualitativo da televisão, os diários optaram por semanalizarse incorporando informações estendidas e suplementos que estão em concorrência direta com os próprios semanários. Desta forma, as edições semanais vêem-se obrigadas a mensualizarse, concorrendo a sua vez com as publicações mensais especializadas. Por conseguinte, atualmente os semanários estão em @pugna contínua com os diários, e a cada um deles tenta superar ao outro para conquistar os mesmos leitores.

Neste processo de semanalización intervém, como não poderia ser de outra forma, a ideologia do espetáculo. Os diários ao semanalizarse aumentam as páginas, e com elas a publicidade contida na cada uma delas. Ante esta avalanche de publicidade os jornais vêem-se obrigados a incrementar ainda mais o número de planas e a se servir de suplementos para as albergar. Desta forma e para ocupar tantas páginas, os jornalistas devem ir para além da notícia escueta e, por tanto, começam a inventar a notícia e a transformar em artigo qualquer informação carente de interesse real.

Outro aspeto tratado é o relacionamento entre a imprensa e a televisão. A estas alturas, segundo cita o autor, a imprensa italiana é escrava da televisão. Isto se deve à imposição da tela como espaço político privilegiado. Na Itália, a vida da televisão vincula-se estreitamente à vida política. Por conseguinte, à imprensa não lhe fica outro remédio que dar conta disso. Desta maneira, o mundo político fixa a agenda das prioridades jornalísticas afirmando algo na televisão de forma que, ao dia seguinte, a imprensa não fale do que aconteceu no país senão do que do país se disse ou poderia dizer na tela.

A quinta seção do capítulo está dedicada à entrevista. Neste aspeto, o autor critica a em massa incorporação desta prática nos diários italianos, quem publicam uma dezena de entrevistas ao dia onde o entrevistado declara o mesmo que revelou a outros jornais. O jogo está em obter uma média admissão que, devidamente enfatizada, fará nascer o escândalo. Desta forma empreende-se uma dinâmica de médias declarações e desmentidos onde, tanto o diário como o entrevistado, têm algo que ganhar.

Um sexto aspeto a estudar é o fenômeno mediante o qual a imprensa, quando não fala sobre a televisão, fala sobre a outra imprensa. Esta prática, herdada do médio televisivo, ajuda a que qualquer declaração feita a um diário faça eco em todos os demais médios de imprensa. Desta forma, ao existir um estreito laço entre a imprensa italiana e a vida política, qualquer confissão realizada a um determinado jornal será aproveitada pelos demais para encher suas páginas, entrando em uma dinâmica de provocação similar à das entrevistas, na qual ambas partes resultam favorecidas.

A sétima parte arranca com o exemplo de L´Espresso no ano 1965. Neste caso, Umberto Eco utiliza como padrão este semanário para argumentar as razões pelas quais hoje em dia nenhuma publicação é capaz de prolongar em mais de uma instância uma linha de investigação sensacional própria. Uma dos motivos principais seria a intervenção do resto de meios da concorrência, quem não duvidariam em retomar e alargar a notícia obrigando ao semanário a elevar o tom ou a abandonar a investigação. Em segundo local, no mundo político e de seus aparecimentos na tela, o tema atingiria já o nível de encontronazo, forçando ao semanário a falar de como a televisão foca o assunto. Finalmente, hoje em dia as forças políticas e judiciais atingiram tal grau de denúncia a todos os níveis que à imprensa lhe fica bem pouco por descobrir. Por conseguinte, não pode senão repetir as denúncias surgidas da magistratura, ou mudar o jogo e denunciar às forças judiciais, mas também aí estaria a reboque da televisão.

Por último, Eco propõe uma série de soluções para eludir as citadas contradições da imprensa. Em primeiro lugar, propõe seguir o que ele denomina caminho “fidjiano”, consistente na realização de jornais muito pobres que trabalham sobre despachos de agências e conseguem dar, em poucas linhas, as notícias mais importantes do dia anterior.

O segundo caminho, o da atenção alargada, consiste na transformação do diário em uma fidedigna fonte de notícias sobretudo o que acontece no mundo. Por conseguinte, dando um passo ao futuro propõe o aparecimento de uma televisão interactiva onde a cada um poderia ser composto e se imprimir em casa seu próprio diário com as notícias que sejam de seu interesse.

Em definitiva, este capítulo trata a condição da imprensa italiana em uma atualidade relativa. Neste aspeto, a precariedade da situação referida pelo autor deve-se, em parte, à atitude das audiências, quem aclaman a dinâmica adquirida pela cada um dos meios de comunicação. Não obstante, o afã de venda, bem como a concorrência mútua entre os diferentes meios provocou, sem propor-lho, uma @pugna contínua em prejuízo do espetador.

Por outra parte, a politización do espetáculo, bem como a prioritização da vida política por parte dos meios levou a uma situação na qual, tanto uns como outros, buscam seu próprio interesse a costa da audiência, quem, nos últimos anos, sofreu uma perda de credibilidade e manifestou uma patente indiferença para a imprensa e televisão bem como para os políticos. Do mesmo modo, a dinâmica de provocação entre o cronista e o político apresenta uma notoria similitud com o funcionamento dos reality shows. Neste caso, qualquer afirmação possível de malinterpretar será exagerada e encarecida até o extremo, servindo como carnaza para as ávidas audiências. Por conseguinte, neste jogo de médias verdades e retificações, tanto o político como o médio obterá benefícios. Enquanto o primeiro se publicita aproveitando o eco que sua declaração produziu no resto de meios de comunicação, o segundo multiplica suas audiências e com elas sua capital.

  • O quarto capítulo, “Quando entra em cena o outro”, reproduz uma resposta do autor ao cardeal Carlo Maria Martini em decorrência de um intercâmbio de quatro cartas organizado e publicado pela revista Liberal. Mais tarde, este epistolario reuniu-se em um pequeno volume, Em que acham os que não acham?.

O escrito começa, como já vem sendo próprio do autor, fazendo uma breve referência a sua juventude marcada por uma educação estritamente católica que, com o passo do tempo foi derivando em uma religiosidad laica.

Partindo desta base, Umberto Eco trata, neste episódio, a dimensão ética dos seres humanos sem ter em conta suas crenças. Por conseguinte, afirma que existem “universais semânticos”, ou noções elementares comuns a toda a espécie, que se converteram na base de uma ética. Com esta versão da caridade cristã o autor pretende dar a entender que a cada indivíduo, independentemente de sua raça, ideologia ou religião, é consciente de que deve respeitar a corporalidad alheia e de que, baixo qualquer circunstância, seus direitos acabam onde começam os dos demais.

Ao fio do anterior, Eco expõe sua teoria da ética laica, baseada na idéia de que nós sabemos instintivamente que temos uma alma, ou algo que desempenha essa função, só em virtude da presença alheia. Do mesmo modo, nosso instinto natural, levado a sua justa maduración e autoconciencia, é um fundamento que dá suficientes garantias. Por conseguinte, a religiosidad não supõe um requisito indispensável para a moral, senão que a consciência da cada indivíduo, na maioria dos casos, é suficiente aval para considerar a uma pessoa dentro dos limites do ético.

Por outra parte, o autor faz uma crítica ao ateísmo por sua firme confiança na inexistência de Deus alegando sua inverificabilidad sendo que dita inexistência também não é demostrable. Neste aspeto, cabe rebatir esta idéia já que parte da base de que todo ateu confia na inexistência de Deus achando poder a demonstrar. Não obstante, existe a possibilidade de um ateísmo baseado no ceticismo sem nenhuma pretensão de verificabilidad.

Assim mesmo, Eco sustenta que o não crente considera que ninguém lhe observa desde acima e, portanto, sabe também que precisamente por isso nem sequer há alguém que lhe possa perdoar. É por isso que ensaiará a purificación da confissão pública para obter o perdão dos demais e por tanto sabe que deverá perdoar antecipadamente. Este fato é, segundo o autor, a base do remordimiento. Neste aspeto caberia especificar que, independentemente da presença ou ausência de religiosidad, a maioria de indivíduos sofrem remordimientos ante qualquer ato deplorable em função da moralidad da cada um. Por conseguinte, o crente superará em segurança ao ateu já que se sentirá salvaguardado pela bondade de um Deus, enquanto o não crente, efetivamente, buscará o perdão dos demais como única via de encaminhamento de seus atos. Não obstante, tanto em um caso como em outro, os indivíduos se verão forçados a propiciar o perdão dos demais para, em caso de necessidade, obter o seu próprio; já seja por que assim o estabelece a religião ou porque assim o dita a consciência.

Por último, Eco propõe a possibilidade da inexistência de Deus. Partindo dessa base afirma que o homem se converteria necessariamente em um animal religioso e aspiraria a construir narrações capazes de lhe dar uma explicação, um modelo e uma imagem instância. Com esta declaração o autor pretende confirmar a necessidade humana de venerar a um ser superior como via de escape ante os problemas da vida quotidiana. Neste aspeto, o Cristianismo apresenta um modelo baseado no amor universal e no perdão dos inimigos. Por conseguinte, Jesucristo, independentemente de sua existência ou inexistência, constitui, por um lado, uma condição humana indispensável para aqueles que requeiram a certeza de que um ser supremo vai por suas vidas e, por outro, um padrão de conduta que, no mínimo, incita aos fiéis #lhe a viver no amor e no sacrifício pela salvação alheia.

  • O quinto e último capítulo, “As migrações, a tolerância e o intolerável” é um collage. O primeiro apartado reproduz parte de uma conferência lida o 23 de janeiro de 1997 na abertura de um congresso sobre as perspetivas do novo milênio. Neste aspeto, o autor assegura que em um futuro não muito longínquo Europa será um continente multirracial já que assistirá a uma grande mestiçagem de culturas.

Por outra parte, Eco distingue os movimentos migratórios entre migrações e imigrações. Considera as primeiras como deslocações incontrolables de determinados povos que abandonam um território para se instalar em outro mudando radicalmente a cultura do local de destino. Assim mesmo, descreve as imigrações como deslocações controladas de determinados indivíduos de um povo que a sua vez, aceitam os costumes do país ao que emigram. Partindo destas definições, o autor sustenta que enquanto tenham imigrações, os povos podem manter aos imigrantes em guetos para que não se misturem com os indígenas. Quando há migração, já não há guetos e a mestiçagem é incontrolable.

Com tudo, hoje em dia nos encontramos ante fenômenos incertos. Hoje, em um clima de grande mobilidade, é muito difícil dizer se certos fenômenos são de migração ou emigração.

O segundo texto, readapta e traduz a introdução ao Forum Internacional sobre a Intolerância organizado em Paris o 26 e 27 de maio de 1997.

Começa definindo os conceitos de fundamentalismo e integrismo como as duas formas mais evidentes de intolerância. Por conseguinte, o primeiro, vinculado à interpretação de um texto sagrado, é intolerante no plano hermenéutico mas não tem por que ser no político.

Pelo contrário, o integrismo é uma posição religiosa e política pela qual os princípios religiosos devem ser convertido, ao mesmo tempo, em modo de vida política e fonte de leis do Estado.

Não obstante, a intolerância propõe-se antes de qualquer doutrina. Parte de um curto-circuito categorial que depois oferece em empréstimo a qualquer doutrina racista futura. Neste sentido, tem raízes biológicas. A intolerância pelo diferente ou o desconhecido é natural no menino. Educa-se-lhe na tolerância pouco a pouco embora, desafortunadamente, segue sendo um problema de educação permanente nos adultos.

Desta forma, a intolerância mais perigosa é precisamente a que surge em ausência de qualquer doutrina, como resultado de pulsiones elementares. Consequentemente não pode ser criticada e mantida a listra com argumentos racionais. A intolerância selvagem é impermeable a qualquer crítica.

Com tudo, a intolerância selvagem somente pode ser atalhada de raiz através de uma educação constante que comece desde a mais terna infância.

O terceiro bilhete, “O intolerável” foi publicado no jornal A Repubblica, em ocasião da sentença cuasiabsolutoria do nazista Erich Priebke.

Neste aspeto, Eco critica as exigências morais que atribuímos aos juízes já que, afinal de contas, somos nós quem lhes outorgámos o mandato de poder segundo as leis vigentes. Por conseguinte, afirma o autor, não sairemos deste círculo até que não decidamos que, ante acontecimentos excecionais, a humanidade não pode ser permitido aplicar as leis vigentes, senão que deve assumir a responsabilidade de sancionar novas leis. Ante comportamentos intoleráveis há que ter a valentia de mudar as regras, leis incluídas; porque aceitar o intolerável põe em questão nossa mesma identidade. Há que assumir a responsabilidade de decidir que é intolerável e depois atuar, dispostos a pagar o preço do erro.

Por conseguinte, para adaptar esta regra de conduta que nos obriga a decidir dia-a-dia onde está o intolerável, uma sociedade deve estar preparada para tomar muitas decisões, inclusive dura, e ser solidária em assumir responsabilidades.

Finalmente e como conclusão, este capítulo se enfrenta a um dos temas mais polêmicos das últimas décadas. Dada a em massa imigração para os países europeus encontramo-nos ante o clássico embora eterno problema da intolerância. Hoje em dia, em uma sociedade em contínua adaptação às novas realidades sociais, chegou-se a aceitar a globalidad como uma forma de vida, uma globalidad pouco respetuosa com as diferenças, pois ainda persiste um verdadeiro medo- odeio para o diferente, o alheio.

Não obstante, em um mundo onde a imigração global está em auge, é necessário respeitar as diferenças raciais e culturais para conseguir se adaptar às novas mudanças sociais que estamos vivendo e aos que ainda fiquem por vir.

Conclusão

Apesar da aparente diversidade dos temas, o verdadeiro é que o fundo dos cinco é o mesmo: a preocupação por situações que impeça a liberdade, a necessidade da razão e a ética. Nos cinco escritos, Umberto Eco mostra-se inteligente e relativamente otimista, sem perder sua capacidade crítica com determinados comportamentos ou situações.

Por outra parte, o livro cobra grande importância hoje em dia, quiçá sempre, pois trata problemas atemporales. Não obstante, dados determinados acontecimentos relativamente recentes, resulta especialmente oportuno o ensaio sobre a guerra, no que Eco assegura que fatores como os interesses dos países, os meios de comunicação que informam sobretudo o que acontece ou a parcelación do poder mundial provocam que a guerra hoje seja inviável, quando caíram muitos dos elementos que antes a justificavam.

Da mesma maneira, o segundo capítulo, “o fascismo eterno”, trata de forma rotunda e compreensível as caraterísticas do fascismo bem como as razões pelas que ainda prevalece hoje em dia. Trata-se de uma reflexão sobre a atualidade de uma realidade que conseguiu subsistir ao longo das décadas e que segue vigente em nossos dias.

O terceiro capítulo, apesar de refletir sobre os problemas da imprensa italiana em um mundo dominado pela televisão, constitui um modelo aplicável ao resto de sociedades ocidentais, onde a capacidade seductiva do discurso audiovisual tem relegado a um segundo plano à imprensa escrita. Hoje em dia são as televisões as que marcam a atualidade e articulam o discurso jornalístico, forçando aos diários a adaptar a suas práticas.

“Quando entra em cena o outro” é, se não o mais ético de todos os escritos, aquele que mais referências faz à moral. Trata-se de um interessante intercâmbio de missivas entre dois intelectuais com muito diferentes concepções da religiosidad. Por conseguinte, tanto Eco como Martini ensaiam sobre a deontología humana em suas múltiplas expressões, já seja derivada de uma profunda devoção ou imposta pela insaciable consciência.

Finalmente, o último dos escritos trata um dos problemas mais atuais dado o em massa fluxo migratório que sofreu Europa nos últimos anos. “As migrações, a intolerância e o intolerável” é um collage que reúne uma série de conflitos éticos que confluem na presença ou ausência do respeito para os demais.

Em definitiva trata-se de um interessante estudo de problemas que nos afetam a todos e de cujo desenvolvimento dependerá a situação mundial nos anos vindouros. Por isso não deve ser deixado de utilizar uma consciência crítica com acontecimentos de tal envergadura. Livros como este, ajudam a seguir se propondo situações, que é desejável não reiterem os erros do passado.

Autor: Umberto Eco, Cinco escritos morais.

1ª Ed. Lúmen, Bompiani, 1997

ISBN: 84-264-1256-4

140 páginas