Estabilidade em Aristóteles e Maquiavel

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Introdução

Um estudo filosófico, a partir do pensamento aristotélico, nos mostra que a antiga compreensão da política trazia as questões sobre a natureza da vida virtuosa para o centro das investigações políticas. Deste modo, pensava-se que as instituições políticas deveriam existir para tornar possível esse modo de vida.

Por pensar dessa maneira é natural supor que Aristóteles não fugiu desse ideário. As suas teorias das formas de governo denotaram tal propósito.

Certamente que uma vez estabelecida a forma ideal, seria necessário mantê-la, torná-la durável. A essa longevidade chamaremos, nesse estudo, de estabilidade. Como a estabilidade não foi meta apenas nas teorias de governo de Aristóteles, é conveniente eleger mais um teórico e fazer um comparativo bem objetivo entre eles.

Maquiavel se mostra o contraponto ideal, mesmo sendo de um período distante daquele vivido pelo eminente pensador grego.

Ambos destacaram a importância da estabilidade, pois sabiam que a durabilidade de um governo era a prova indiscutível de sua qualidade. O governo estável era um governo bom.

Demonstrar qual o propósito final de um governo estável, no pensamento de Aristóteles e no de Maquiavel, é o principal intento desse trabalho.

1. A ESTABILIDADE E A SUA IMPORTÂNCIA

1.1. A estabilidade

A conceituação de estabilidade, em qualquer segmento humano é facilmente compreendida. Não é objeto do presente estudo o mero entendimento da palavra, nem mesmo o seu pleno sentido, quando aplicado apenas ao cenário político do século presente. É mister entender a sua importância à luz dos propósitos sociais, a partir da Grécia antiga e fazer uma confrontação, com o pensamento moderno.

Tal entendimento tem como escopo a estabilidade vista e estudada por Aristóteles e por Maquiavel e o seu objeto final.

Como se haverá de ver, a estabilidade sempre foi o alvo de qualquer agrupamento humano. Por menor que fosse o grupo social, grupo familiar, vilarejo, ela se fez necessidade permanente, para a manutenção do “status”, que se intentava implementar.

Em que pese às maneiras expostas por Aristóteles e por Maquiavel, o que se terá em mente, ao longo do presente estudo, são os propósitos finais almejados, quando a busca pela estabilidade política foi acentuada e mirada, não apenas por eles, mas por todos os teóricos das formas de governo, ao longo dos séculos.

Independentemente da época em que a estabilidade foi perseguida, como a maneira extremamente óbvia, de preservação de um cenário político ou de uma estrutura social, a questão que se insurge não se prende apenas à forma como tal quadro foi buscado. Não é uma simples questão de se analisar o método, a forma como a estabilidade foi estabelecida e mantida pelos ditos bons governos, mas é fundamental entender o propósito que cada filósofo ou historiador demonstrou, para que ela fosse o escopo dentro de uma sociedade antiga e moderna.

Afinal o que é a estabilidade política, num cenário interno, senão a possibilidade de se governar sem divergências entre cidadãos e entre esses e os governantes? É certo que quanto mais duradoura for a estabilidade política, mais permanente será a forma de governo existente.

O que está em voga, no momento, não é a percepção da importância da estabilidade dentro de um governo. Isto é notório! Mas o intuito final, que se pretende, ao buscá-la de forma objetiva. Não apenas implementá-la no contexto social, mas a sua preservação.

1.2. A sua importância em qualquer forma de governo

Os teóricos, das formas de governo, apresentaram ao longo do tempo as mais variadas teorias de formas de governo

Não é de interesse, nesse trabalho, relacionar as múltiplas formas de governo, a partir de Aristóteles. Também não existe a pretensão de elencar as avaliações que foram feitas por filósofos, políticos e historiadores, quando expuseram seus pontos de vista criticando as formas analisadas

O que se destaca, neste início, é que não importando a forma tida como a mais apropriada, a estabilidade sempre foi o objetivo visado. Não se cogitava uma forma de governo, sem que se vislumbrasse a estabilidade como garantia de gestão duradoura.

A história mostrou a postura filosófica e política das teorias de forma de governo e mesmo em se optando pelo governo de um, de poucos ou de muitos, a mensuração da qualidade, de uma forma de governo, era efetuada em função de sua durabilidade e efetividade, sem dissensões.

Tendo em mente a importância da estabilidade em qualquer forma de governo, passa-se ao ponto em tela que é o direcionamento do presente estudo: a estabilidade política e seu escopo final, no pensamento de Aristóteles e no pensamento de Maquiavel.

A importância da confrontação do pensar de Aristóteles, tendo Maquiavel como contraponto é bem clara: em Aristóteles temos uma forma clássica e lapidar e em Maquiavel a possibilidade de se fazer uma projeção para o mundo moderno, de forma objetiva. Deste confronto de idéias é possível notar como um propósito político pode mudar, ao longo do tempo e conforme as circunstâncias.

2 – O PENSAMENTO ARISTOTÉLICO

2.1. A política aristotélica

Precisamos notar, à guisa de introdução, que a política aristotélica é essencialmente unida à moral, porque o fim último do estado é a virtude, ou seja, a formação moral dos cidadãos e o conjunto dos meios necessários para que assim ocorra. Há que se entender que o estado é um organismo moral que propicia a condição e também o complemento da atividade moral de cada pessoa. É também fundamento importantíssimo da suprema atividade contemplativa.

A política, todavia, é distinta da moral, pois esta tem como objeto o indivíduo e a política se concentra na coletividade. Conclui-se que a ética é a doutrinação moral de forma individualizada, ao passo que a política tem como escopo a doutrina moral da sociedade.

É importante tirar conclusão, baseada no exarado supra e daí entender que o estado, neste contexto, é superior ao indivíduo, porquanto a coletividade é superior ao indivíduo. Natural, assim concluir, pois fica claro que o bem comum é mais importante que o bem particular.

Essa satisfação, ou seja, o bem comum só pode ser propiciada pelo estado. Tal estado busca satisfazer, de forma plena, as necessidades do homem, que sendo um ser social e, portanto, político depende da sociedade organizada para realizar a perfeição.

Tendo em vista, de acordo com Aristóteles, que um estado se compõe de uma comunidade de famílias e essas são compostas de uma quantidade de indivíduos, invoca-se um estudo sobre a família, que cronologicamente antecede a figura do estado.

É importante vislumbrar a concepção de família, sob a ótica aristotélica e a partir daí entender o estado e mais adiante compreender de forma definitiva a importância da estabilidade.

Aristóteles, dissertando a respeito da família, expõe que essa é formada de quatro elementos: os filhos, a mulher, os bens, os escravos. Não ficava fora dessa conceituação o chefe da família, encarregado da direção da pequena célula.

O que se percebe é que, por natureza, o homem se agrega e desenvolve critérios organizacionais, que são importantes para o bom andamento das atividades familiares, propiciando ordem, conforto e segurança.

Naturalmente que assim o estado tomou forma, posto que ele surge pelo fato de ser o homem essencialmente social. O estado provê, inicialmente, a satisfação daquelas necessidades materiais, negativas e positivas, defesa e segurança, conservação e engrandecimento de outra forma irrealizáveis.

Mas o seu fim, claro desde o princípio, é promover a virtude e por conseqüência a felicidade de todos, envolvidos nessa esfera.

Quando parte para a forma exteriorizada de ver o estado, Aristóteles distingue três formas de governo, a monarquia a aristocracia e a democracia. Mesmo sabendo que as preferências aristotélicas são voltadas para uma forma de república democrático-intelectual anotamos que Aristóteles, dentro de seu profundo realismo, reconhece que a melhor forma de governo não é abstrata, e sim concreta.

De qualquer maneira a condição indispensável para uma boa constituição, é que o fim da atividade estatal deve ser o bem comum e frise-se: não é a vantagem a auferir por quem governa de forma egocêntrica ou egoística.

Tendo em mente essa concepção aristotélica, passemos a estudar as teorias de forma de governo apresentadas e os meios possíveis para assegurar a estabilidade social.

2.2. Teorias de formas de governo

Aristóteles, em “A Política”, tecendo comentários a respeito dos meios para assegurar a estabilidade das democracias é bem objetivo e não deixa dúvidas quanto à função do legislador que edifica um regime democrático. Ele assim o faz, textualmente: “A principal função do legislador e dos que pretendem edificar um regime democrático, não se reduz apenas em estabelecê-lo mas também em preservá-lo”. [1]

Não queremos nos deter, aqui, ao regime democrático, mas ao destaque que Aristóteles dá à preservação de um governo, ou seja, a estabilidade.

Uma análise do pensamento aristotélico, quando ele propõe teorias a respeito das formas de governo, mostrará que a busca pela preservação de um regime de governo estabelecido será uma constante.

Não se discute, neste exato momento, a forma de governo, mas a necessidade de um modo para a manutenção da ordem política e tal ordem, sem dúvida, é alcançada pela busca e preservação da estabilidade.

Não podemos olvidar, que esta observação supra, é insuficiente para concluir ser a estabilidade o objetivo único almejado, para manutenção de uma forma de governo. Precisamos ampliar o pensamento de Aristóteles e ao final detectar qual seja, na opinião do eminente filósofo, a melhor forma para a duradoura estabilidade num regime de poder político.

É fundamental analisar, de forma clara e objetiva, as três formas de governo vistas por Aristóteles, incluindo, naturalmente, os desvios ou corrupções, por ele apontados. Como o propósito que aqui temos é vislumbrar a forma ideal de governo, no pensamento do filósofo antigo, para a manutenção da estabilidade política, torna-se oportuno estudar as formas de governo e as suas derivações.

Como dissemos, são três formas de governo e outras três, as suas derivações, concebidas na teoria aristotélica e dissertaremos, sucintamente, a respeito de cada uma delas. O propósito é apontar qual a forma, individual ou mista, que contribua de forma mais efetiva, para a estabilidade. O que buscaremos, ao final, é destacar o agente motivador principal, para a importância da estabilidade dentro de um contexto político social.

O ilustre filósofo explana de forma direta o seu modo de entender, no que tange às formas de governo. Ele assegura que existem três formas, ditas como boas, e outras tantas, tidas como degeneradas. São elas: o reino, a aristocracia e a timocracia. Suas derivações negativas, portanto: a tirania, a oligarquia e a democracia. [2]

2.3. As formas de governo e suas derivações

Aristóteles discorre em sua obra “A Política”, a respeito das formas e suas respectivas degenerações. Há que se ressaltar, neste momento, que não estamos desenvolvendo um estudo que busque definir a preferência de Aristóteles, quanto a uma forma de governo ou outra.

É fito buscar a forma que seja mais propícia à estabilidade e a partir daí o seu fim. Não se busca a detecção de simpatia, quanto a um método, mas o propósito em se querer assegurar à sociedade o bem estar decorrente de um equilíbrio.

Tendo em mente esse objetivo, vejamos como Aristóteles propôs sua teoria:

Na sua obra A Ética a Nicômaco, declina o seguinte texto: “Três são as formas de governo e três são os desvios e corrupções dessas formas. As formas são: o reino, a aristocracia e, a terceira, aquela que se baseia sobre a vontade popular, que pareceria próprio chamar de “timocracia”, mas que a maioria chama apenas de “politia”.” [3]

No mesmo contexto ele aponta os desvios de cada uma das formas: a tirania, como degeneração do reino, a oligarquia como degeneração da aristocracia e por fim aponta a democracia como desvio da timocracia.

Para Aristóteles o governo monárquico deveria ser aquele que se propusesse a fazer o bem público. De igual forma o governo aristocrata, que seria exercido por poucos, ou seja, os melhores, que também envidariam esforços em prol do bem público. De forma similar a timocracia seria o exercício do poder, pela maioria, em benefício do bem público.

No seu entendimento o reino, seria exercido por uma só pessoa soberana que deveria conduzir o seu governo rumo ao bem estar social.

A aristocracia, governo de poucos e bons, que se empenhariam de forma organizada na condução da sociedade em direção ao bem comum.

É importante entender que a timocracia é uma variante do governo de ricos e de pobres, no sentido do bem estar.

Sendo as formas boas assim descritas, obviamente se conclui que os desvios se prenderiam aos interesses particulares ou de grupos específicos, ou seja: a tirania como reino monárquico, em favor de um só, o monarca. A aristocracia procurando satisfazer os interesses apenas dos ricos e a democracia mirando apenas o bem estar dos pobres.

O que se quer salientar é a essência do pensamento do filósofo quanto ao objetivo de um bom governo. Não há, neste momento, um exercício explícito de preferência por uma forma ou por outra. Trata-se de um alvo comum em todas as formas de governo: o bem público.

Não fica difícil entender os desvios, de que trata o eminente pensador, posto que as degenerações certamente se afastam do fim de um bom governo. Se as formas boas visam a um bem comum, as degenerações fogem radicalmente desse objetivo.

Entendendo o critério de Aristóteles, concluímos que para ele não basta que exista um consenso entre as pessoas e classes, nem que se possa prevalecer pela força. Não é questão de se visar à legalidade ou questionar a ilegalidade. O que se busca, sobretudo, é o interesse comum a todos. É o ajustamento social que permita aos cidadãos o pleno desenvolvimento. Esse é o principal critério utilizado para mensurar qual seria a melhor forma de governo.

O que se poderá notar, ao longo da análise do pensamento aristotélico, é que ele não aponta uma forma ideal para que se obtenha o bem comum e com ela uma estabilidade permanente. Na realidade, ao pensar na importância da estabilidade, concluirá pela conjugação de duas formas.

Convém analisar um outro ponto, fundamental nessa linha de raciocínio: ao criar uma seqüência hierárquica das formas de governo, poderemos de certa forma, notar qual seria a forma ideal, no pensamento de Aristóteles e mais: aquele desvio que seria considerado como mais pernicioso.

Assim temos as formas de governo, boas e más, em ordem: reino, aristocracia, timocracia, democracia, oligarquia e tirania.

Daí se pode concluir que a forma ideal, no pensamento de Aristóteles é o reino e que a pior é justamente o seu desvio, isto é, a tirania. Também fica patente que entre as formas boas, a timocracia é a que menos lhe agrada, ao passo que entre as formas degeneradas a democracia lhe parece o mal menor.

É importante notar, que quando vier a se pronunciar a respeito da melhor forma de governo, e essa será pela fusão entre duas formas, Aristóteles, muito realista, não se aterá ao que considera melhor ou pior. Seu escopo é apontar a forma ideal para que se obtenha a estabilidade.

Não é um exercício de preferência ou simpatia, mas um exercício de puro realismo, decorrente de uma análise objetiva, dentro de um contexto histórico-social, por ele muito conhecido. É a definição de uma imagem, ao teorizar e observar, de forma permanente e sincera.

2.4. A forma propícia à estabilidade política

Após análise sucinta de cada uma das formas, podemos agora apontar a forma, que no entendimento de Aristóteles, propicia a estabilidade.
Como dissemos anteriormente, não se faz um exercício de preferência, mas de puro realismo.

Dentro deste perfil de realismo Aristóteles foi claro ao demonstrar a grande causa provocadora de tensões entre os povos: a eterna luta entre os que não possuem contra os que são possuidores.

Quem são os ricos? Aqueles que formariam uma oligarquia. E os pobres? Os que tenderiam à democracia. São duas formas, que se isoladas, provocariam tensões.
A conjugação desses dois formatos, no pensamento de Aristóteles, propiciaria a paz social.

Na sua obra A Política ele deixa claro que a grande e verdadeira diferença entre a democracia e a oligarquia é a pobreza de um lado e a riqueza do outro. Quando o poder é exercido em função da riqueza, quer sejam muitos ou poucos, os ricos, a forma que se apresenta é a oligarquia. A democracia surge quando os pobres estão no exercício do poder. O que se observa sempre é que os ricos são apenas alguns, ao passo que os pobres são numerosos. Sendo a riqueza de poucos, o mesmo não se pode dizer da liberdade, que é de todos. O que se pode concluir: esses são os elementos propulsores para que, pobres e ricos, reclamem o poder. [4]

Aristóteles, em sua obra, se propôs demonstrar como se daria tal fusão. Não é escopo, desse rápido estudo, o enveredar por esse caminho explicativo, mas, mostrar o pensamento de Aristóteles naquele instante histórico. Ele mesmo pondera: “Na maioria das cidades se proclama em altos brados a “politia” procurando-se realizar a única união possível dos ricos com os pobres, da riqueza e da pobreza”. [5]

O professor Norberto Bobbio na sua obra “As Teorias das Formas de Governo”, explica, na página 61, como Aristóteles faz a fusão de dois regimes, criando um terceiro que é uma forma mista: “Recolhendo-se o melhor dos dois sistemas legislativos: enquanto na oligarquia os cargos públicos são preenchidos mediante eleição, mas só pelos que possuem uma certa renda, na democracia esses cargos são distribuídos por sorteio entre todos os cidadãos. Recolher o melhor dos dois sistemas, neste caso, significa conservar o método eleitoral e excluir o requisito de renda”.

Destacamos aqui o teor dessa fusão, que é a busca pela paz social. Como ficou demonstrado, o labutar pela manutenção da riqueza pelos proprietários e o labor dos pobres em conflitar com os que são ricos, são fatores de tensão. Concluímos, pois, que esse confronto é incompatível com a estabilidade, promovendo conflito social. Sendo objetivo precípuo o bem comum, e sabendo que a implementação de um governo é efetuada para buscar esse bem, notório é o fato de que somente a fusão dessas duas formas, no pensamento de Aristóteles, poderia geral tal fim.

Não basta analisar, isoladamente, cada forma, pois fica patente que considerar a monarquia como a forma ideal de governo não é suficiente. Admitir que a oligarquia seja um desvio da aristocracia e que a democracia é degeneração da politia, não é suficiente para acatar ou rejeitar uma forma de governo.

Fica claro que a fusão de duas formas constituiu o modelo propício, o misto, na concepção aristotélica, para que se chegue a um ponto ideal à estabilidade, mesmo que as duas formas eleitas para a junção sejam degenerações daquelas consideradas boas.

Aristóteles deixa bem claro essa opção racional, em sua obra “A Política”, 1295-b: “Em todas as cidades há três grupos: os muito ricos, os muito pobres e os que ocupam uma posição intermediária. Como admitimos que a medida e a mediania são a melhor coisa, em todas as circunstâncias, está claro que, em matéria de riqueza, o meio-termo é a melhor das condições, porque nela é mais fácil obedecer à razão”.

E finaliza de forma objetiva, na mesma obra e página: “Está claro que a forma intermediária é a melhor, já que é a mais distante do perigo das revoluções; onde a classe média é numerosa raramente ocorrem conspirações e revoltas entre os cidadãos”.

Os dois textos citados apontam claramente a forma ideal para que se tenha a estabilidade, tema central na avaliação de um bom governo. O critério eficaz para se avaliar um bom governo, sem dúvida é a sua durabilidade, ou seja, a estabilidade.

A essa conclusão chegou Aristóteles, isto é: um bom governo é aquele que mantém distante as tensões sociais. Para que se chegue a este objetivo deve-se cultivar a estabilidade, através da implementação de um governo que tenha condições de cumprir esse mister.

Alcançada a estabilidade, o que se pergunta, a respeito de Aristóteles é o que se pretende como meta final de um governo, depois que este está estabilizado?
Em Aristóteles enxergamos claramente que é o bem comum. A busca pelo pleno desenvolvimento das potencialidades individuais.

Cumpre verificar se o mesmo ocorre, observando pela ótica de Maquiavel.

3. O PENSAMENTO DE MAQUIAVEL

3.1. A obtenção do poder

Nicolau Maquiavel, numa comparação com Aristóteles, viveu num contexto diferente. Postou-se como observador atento da história e a partir daí pode apurar os motivos para ascendência e queda de governos. Não esteve preocupado em arquitetar ou sugerir governos justos, mas põe-se a imaginar como alguns governantes poderiam se comportar.

Extremamente realista observa as coisas como elas são. A partir desse panorama faz projeções para obtenção do objetivo supremo, que é a perpetuação no poder.

Por perpetuar entendemos, inclusive, a manutenção do “status”, de forma estável. Não se intenta manter um governo, por longo tempo, de forma instável. Até porque não seria possível.

Avizinha-se um quadro comparável ao que estudamos em Aristóteles, que é a busca pela estabilidade política e, depois, o seu objetivo final.

Importante notar que além de um contexto social diferente, do qual Maquiavel projetava o seu visionário, a questão da ética se torna evidente.

Nesse caso não se pretende comparar o homem Maquiavel com o homem Aristóteles. São de épocas, costumes e lugares diferentes. Mas a ética na política passa a ocupar um espaço vital. Aliás, poderia se afirmar que a ausência de ética passa a se fazer presente.

Enquanto é possível enxergar um pensamento Aristotélico revestido de uma ética até hoje tida como boa, a maneira de exposição realista, de Maquiavel, é vista como deletéria à moralidade política. Mais que isso, de perniciosa influência a partir dali e estendendo-se até os dias atuais.

Enquanto Aristóteles imaginava um estado agindo em função do bem comum, Maquiavel propunha a construção de um estado partindo do terreno realista da experiência e prescindindo de qualquer valor espiritual, ético e religioso.

Maquiavel entende que o homem tem a natureza naturalmente voltada para a maldade e egoísmo. Dentro dessa concepção negativa quanto à natureza humana, acredita que seja necessário organizar naturalisticamente e subordinar mecanicamente um complexo de paixões e egoísmo a um egoísmo maior: o do príncipe e conseqüentemente do estado. É a construção de uma ciência política assentada sobre um utilitarismo rigoroso.

Percebemos, então, que o pensamento de Maquiavel diverge do de Aristóteles quanto à proposta de exercer o poder no estado. Não há preocupação em se expor uma melhor forma de governo. Trata-se de como o seu exercício beneficiará em primeiro plano: à camada social ou se ao estado, como fim em si mesmo.

3.2. Estabilidade e poder político

Antes de dissertar acerca do poder político e a busca pela estabilidade em Maquiavel, precisaremos repisar alguns pontos atinentes à sua obra e a questão da ética.

A ética de Maquiavel reconhece o fato elementar de que a experiência humana comporta um conflito de valores. A moral grega poderá afirmar, numa reminiscência ao platonismo, que infligir o mal é pior que sofrê-lo. Mas este princípio moral não pode ser princípio do governar político, pois impossibilitaria a realização de outros valores, a começar pela existência pessoal, a existência da comunidade e os valores da civilização concretizados na história.

Certamente precisamos ter esse conceito em mente, para entender Maquiavel e fugir de comparações pessoais. Nosso fito é estudar a busca e implementação da estabilidade. Comparar os métodos aristotélico e maquiavélico visa mostrar a chegada a um fim. Esse fim somente será obtido com a estabilidade, que sempre interessou a todos os teóricos das diversas formas de governo, em todas as épocas.

Após o estabelecimento de um governo e com a sua estabilização, passa-se ao propósito específico: o alvo que se busca, finalmente, tendo em mãos um governo estável e logicamente com perspectivas duradouras.

Maquiavel se prende ao estabelecimento do poder e a implementação do que considera ordem social. A estabilidade tem um propósito definido em seus conceitos. Nessa busca ele não faz uma negativa da ética, não desdenha dela.

Sendo realista e num contexto próprio, enumera critérios para obtenção do poder político.

Importante destacar que Maquiavel jamais pretende que as suas recomendações tenham valor moral. Para ele a justiça é o direito do mais forte e o direito da força vale mais que a força do direito. Maquiavel diria apenas que a força permite instaurar a ordem, libertar um povo e ganhar a honra mundana; mas nunca diria que estes valores são a justiça e a moralidade. Está consciente de que toda a ordem política comporta uma parte acidental e arbitrária de crueldade e violência, de injustiça residual. Inclusive ele chama a atenção para o fato de que essa violência se tornaria impopular.

Ele, todavia, aconselha cautela no procedimento do governante, conforme reproduzimos esse texto extraído de sua obra “O Príncipe”, páginas 114 e 115: “Deve, então, o príncipe, ter o maior cuidado e não deixar escapar da boca, jamais, palavras que não estejam imbuídas das cinco qualidades acima mencionadas, mas deve dar a impressão, a quem o contempla e o ouve, que é todo piedade, fé, integridade, humanidade e religião. Nada é mais relevante do que aparentar esta última qualidade. Os homens, em geral, julgam mais com os olhos, do que com as mãos, porque todos podem ver, mas poucos podem sentir.

Todos vêem o que pareces, poucos percebem o que és e esses poucos ousam opor-se à opinião de muitos, que defendem a majestade do estado. Nas ações de todos os homens, principalmente na dos príncipes, onde não existe tribunal ao qual recorrer, importa o fim. Trate, pois, o príncipe de vender e conservar o poder; os meios serão sempre julgados honrosos e louvados por todos, porque o vulgo sempre se deixa levar e pelo resultado das coisas; e no mundo só existe o vulgo e a minoria não tem lugar quando a maioria tem onde se apoiar. Um príncipe de nossos tempos, cujo nome não convém mencionar, somente prega a paz e a fé, mas é inimigo de uma e de outra e, se tivesse observado uma e outra, teria muitas vezes perdido a reputação e o poder”.

Neste ponto está o exercício do poder político e a implementação de um estado estável. A forma, certamente, diverge daquela do ilustre pensador grego, Aristóteles, mas tem como escopo algo similar: a governabilidade.

A diferença entre um e outro reside, no estudo em tela, na utilização do estado estabilizado. O poder estatal estaria voltado para qual propósito final?

4. OS PROPÓSITOS DA ESTABILIDADE

4.1. O propósito em Aristóteles

O estado constituído, de forma criteriosa e ética, necessita ser estável e possuindo a estabilidade será duradouro. Estado duradouro e, portanto estável, contém a característica elementar do bom governo, que é justamente a sua longevidade.

Na concepção aristotélica o estado tem um papel a cumprir e somente será eficiente neste propósito se for estável. Eis porque Aristóteles expôs suas teorias de governo e ao final apontou uma forma mista como aquela que poderia garantir a paz social.

O fim do estado é desenvolver os bens da alma, ou seja, a virtude. É a capacidade de proporcionar aos cidadãos o pleno desenvolvimento de todas as suas potencialidades

Aristóteles entende que o valor, a justiça e o bom senso devem estar presentes no estado e conseqüentemente no indivíduo.

Assim sendo, para Aristóteles, a felicidade do estado depende da felicidade dos cidadãos individualmente. Para que tal fenômeno positivo ocorra é necessário tornar a pessoa virtuosa mediante uma educação adequada.

O estado, observado por esse centro de visão, é mais importante que o indivíduo e isso deve ser compreendido não como uma valoração do estado em si mesmo. O estado existe em função da coletividade. A coletividade é mais importante que o indivíduo.

O propósito aristotélico é bem claro: o homem é um ser racional e social, precisa desenvolver as suas potencialidades. Esse desenvolvimento somente será possível dentro de um contexto sociabilizante.

O estado estável deve cumprir essa função social, ou seja, o bem comum.

4.1. O propósito em Maquiavel

Maquiavel é considerado um gênio da ciência política e segundo muitos, inaugurou a astúcia inescrupulosa como método de governo, por detectar e sistematizar de forma pioneira a amoralidade peculiar à conquista e exercício do poder.

Como já visto, ele elaborou uma teoria política realista e sistemática, em que separava a moral dos indivíduos da razão do estado.
Maquiavel não apregoou a promoção da infelicidade. Não sugeriu tal procedimento a um governante. É um erro analisar de forma tão simplória. Ele sempre enfatizou que o governante poderia e deveria fazer tudo, se tiver por meta a felicidade de seu povo. E por quê?

Não há, nesse ponto, similitude com o pensamento de Aristóteles. Poder tudo para Maquiavel incluía a truculência e a imoralidade. A ética poderia ser dispensada, em função da obtenção do poder e de sua preservação.

O estado não é visto como agente propiciador do desenvolvimento das potencialidades do cidadão. O poder político tinha forma em si mesmo. A felicidade dos cidadãos, em Maquiavel, não pode ser comparada àquela vista no pensamento de Aristóteles.

A felicidade e a virtude, como concebidos por Aristóteles, não fazem parte da teoria maquiavélica. No pensamento Aristotélico o estado existe para promover o bem comum e pleno desenvolvimento dos cidadãos. Em Maquiavel a ênfase não é desse modo.

Maquiavel deixa claro que o governante deve ter como meta a felicidade de seu povo. O que não se vê é o interesse pelo bem comum, como fator de felicidade a ser estendido à coletividade.

O pensamento maquiavélico denota que um povo feliz, dentro de sua concepção, não promoveria balbúrdia, mantendo, assim, o governo estável.

O governante deve tratar bem o cidadão, como forma de mantê-lo afastado da discórdia, isto é, manter a estabilidade.

Seu pensamento é bem claro: o governante deve cuidar dos cidadãos, fazê-los felizes. Caso proceda de forma diferente, será, finalmente, derrotado por outro, que assumirá o poder.

A estabilidade alcançada, precisa ser mantida, através do bem estar da coletividade, como forma de manutenção do poder.

Conclusão

A estabilidade sempre foi meta necessária, em qualquer forma de governo antigo e moderno. Qualquer teoria de forma de governo acentua o valor da estabilidade, como forma de mensuração de um bom governo. Governo estável é um governo duradouro, logo, um governo bom.

Aristóteles e Maquiavel não fugiram desta realidade. Ambos asseveravam que a estabilidade era elemento essencial para a preservação da ordem e manutenção do poder.

A estabilidade de um governo, entretanto não é um fim, antes deve ser vista como um meio. Um governo estável propicia ao governante a possibilidade de cumprir propósitos.

A constituição de um bom estado, para Aristóteles, incluía a importância de se buscar a estabilidade. O estado poderia, então, cumprir o seu propósito principal, ou seja, o pleno desenvolvimento dos cidadãos. Fica claro que não é para o bem estar de um ou de poucos, mas da coletividade.

Maquiavel também entendia que um bom estado era aquele que, por priorizar a estabilidade, se tornaria duradouro. Essa longevidade ocorreria, certamente, quando o governante propiciasse a felicidade ao povo. Caso assim não procedesse, certamente a massa procuraria outro governante.

A estabilidade, apregoada pelos dois teóricos políticos, tem valor igual, pois com ela o governo é duradouro e desta forma tido como bom.

O estado estável para Aristóteles passaria a cumprir o seu propósito principal, isto é, o bem comum dos cidadãos, o pleno desenvolvimento de suas potencialidades.

O estado de Maquiavel, sendo estável, cumpriria o seu papel principal que é a manutenção do poder do governante, ainda que seja propiciando a felicidade aos cidadãos.

Na concepção de Maquiavel o bem comum deve ser mirado como forma de manutenção do poder do governante.

O estado de Aristóteles visa ao bem comum de todos, incluindo governantes e governados. Aqui temos o seu objetivo principal, conforme se pode notar, em um dos seus comentários:

“Como afirmamos que é a mesma a virtude do cidadão, do governante e do homem bom, e dissemos que o mesmo indivíduo deve primeiro ser governado e depois governar, o legislador deverá assegurar que os cidadãos se tornem bons, averiguar que atividades produzirão esses resultados, e qual é o fim da vida melhor.”[6]

Referências Bibliográficas

[1] ARISTÓTELES, Amaral, Antônio Campelo; Gomes, Carlos. A Política, Gepolis: Vegas, 1998.

[2] ARISTÓTELES; Nasset, Pietro. Ética a Nicômaco, São Paulo: Martin Claret, 2003.

[3] BOBBIO, Norberto. A Teoria das Formas de Governo, Brasília, UnB, 1997.

[4] MAQUIAVEL, Nicolau; Júnior, J. Cretella; Cretella, Agnes. O Príncipe, São Paulo: RT, 1997.

[1] Texto extraído do livro “A Política”, de Aristóteles, Livro VI, 1319b, 32-35. Ali ele desenvolve comentários acerca dos meios para assegurar a estabilidade das democracias.

[2] Importante destacar que alguns termos utilizados por Aristóteles, têm sentido diferente dos que hoje utilizamos. Ele usa o termo “timocracia”, que naquele tempo muitos chamariam de “politia”. Hoje certamente usaríamos o termo democracia, num sentido positivo e possivelmente outro termo para designar a democracia positiva. O termo “timocracia” não seria utilizado, atualmente.

[3] Texto contido em Ética a Nicômaco, 1160 a-b

[4] Texto parafraseado da obra “A Política”, 1280-a 1-5. Esse texto é citado e comentado pelo professor Norberto Bobbio, em seu livro Teoria das Formas de Governo, 10ª Edição, página 61: “Dizíamos, pois, que a política é a fusão da oligarquia e da democracia. Agora que sabemos em que consistem uma e outra, podemos compreender melhor em que consiste essa fusão. É um regime em que a união dos ricos e dos pobres deveria remediar a causa mais importante de tensão em todas as sociedades – a luta dos que não possuem com os proprietários. É o regime mais propício para assegurar a paz social”.

[5] Aristóteles em sua obra “A Política”, 1294-a

[6] Texto extraído do livro “A Política”, de Aristóteles, 1333-a, 12-16.

Fonte: Enéias Teles Borges – Postagem original em 14/01/2008