Difícil justificar de modo sintético todo o fanatismo em torno da série Star Wars. Qualquer adulto com um mínimo de bom senso saberia tratar-se de mera fantasia sci-fi, uma atualização dos velhos filmes de faroeste ou de samurais produzidos em décadas passadas.
Porém, George Lucas sabe que cinema é apenas isso; ou melhor, é muito mais do que isso. Prova disso é a fonte inspiradora mais próxima do primeiro filme da série, uma fita de Akira Kurosawa, A Fortaleza Escondida. A sinopse pode dizer alguma coisa: um rapaz e um mercenário têm que levar uma princesa a uma fortaleza infestada por vilões … junte-se a obra de Kurosawa a O Senhor dos Anéis, de Tolkien – leitura assumida de Lucas –, e você terá a fórmula responsável pelo sucesso alcançado em 1977, quando o primeiro Guerra nas Estrelas, hoje mais conhecido como Episódio IV – Uma Nova Esperança, foi lançado.
Com o fim da saga, trinta anos depois de seu início, podemos ver toda a estória com mais objetividade. No primeiro filme, Lucas reforçou os aspectos míticos de Luke Skywalker, que nada mais são do que o herói arquetípico junguiano. A ausência da família, o mentor espiritual, a irmandade em torno do objetivo comum, o enfrentamento com a sombra – o próprio pai do protagonista – , não passaram desapercebidos a Joseph Campbell, em seu O Poder do Mito. Até os irmãos Wachowski terem criado o messiânico Neo em Matrix, e Peter Jackson ter filmado a obra de Tolkien, a primeira trilogia de George Lucas tinha ao menos a originalidade em mostrar o caminho de Skywalker à individuação, tal qual a teoria apresentada por Jung.
Tanto quanto o apelo dos efeitos especiais, podemos notar o quanto esse aspecto atrai e encontra eco em nossa psique. Filmes como Guerra nas Estrelas remetem o espectador a um mundo heróico, ideal, onde tudo é definido prontamente. Se cada um puder se lembrar, retornará a uma infância povoada por estórias fantásticas e contos de fadas, contadas por nossas mães, nossas avós. Tais estórias são atualizações de tradições orais míticas, que perdem-se na noite longínqua de nossos ancestrais. Freud aponta similaridades entre o pensamento mítico das primeiras culturas e a psique infantil, desde seu Totem e Tabu. Os trabalhos de Jung, e especialmente de Melanie Klein junto à criança, apontam para esse núcleo, aprofundando as primeiras conclusões do pioneiro da psicanálise.
Segundo Klein, as primeiras relações do bebê, imerso em fantasias que originam um mundo interno, são com objetos parciais. A criança não distingue a parte do todo, tomando a parte como se fosse o todo. Para exemplificar, Klein elegeu a figura do seio materno como símbolo dessas relações fantasiosas, uma vez que o bebê não vê a mãe como um ser completo e distinto dele. Há o seio bom, aquele que alimenta, aconchega, gratifica; o seio mau afasta-se, provoca fome, medo, deixando o bebê com raiva e ansiedade por não saber se sobreviverá sem tal objeto. A criança acredita ter criado tais objetos, uma vez que essa fase é extremamente narcísica, e aponta para a onipotência como importante característica.
Há ainda a possibilidade de que a criança tenha dificuldades em reconhecer e aceitar que ambos sejam o mesmo objeto, e que exista independente de sua vontade. De acordo com o desenvolvimento psíquico do indivíduo, essa visão dicotômica da realidade externa, onde tudo é polarizado em bom ou mau, claro ou escuro, poderá perdurar por muito tempo após a infância, e o adulto não saberá lidar com um mundo muito mais complexo do que este, dividido simplesmente em Lukes e Darth Vaders.
A segunda trilogia traz uma sutil diferença em relação à primeira. Enquanto os primeiros filmes possuíam uma dimensão mítica que trazia implícito o conflito do protagonista com o relativo e o absoluto, os episódios I, II e III mostram como ambas as polaridades encontram-se naturalmente no mesmo indivíduo. Deficiências dramáticas do roteiro à parte, o tema que perpassa os três últimos filmes de George Lucas é a possibilidade de cada um apresentar sentimentos condenáveis, sem ser mau em sua essência.
Através de Anakin Skywalker, é apresentada uma ambivalência que inexistia nos primeiros filmes (escute com atenção o tema de Anakin na trilha sonora do Episódio I, onde as últimas notas remetem à Marcha Imperial da primeira trilogia). O garoto é apresentado como um messias, “aquele que trará equilíbrio à Força”. Para nossa surpresa, a visão de Lucas amadurece aqui, escapando às tendências maniqueístas da primeira série; esse equilíbrio dá-se justamente pela metamorfose de Anakin Skywalker em vilão, junto ao imperador. Está derrubada a barreira da dualidade; é justamente por amor, considerado o mais sublime dos sentimentos, que nasce Darth Vader.
Retomando as idéias de Melanie Klein, o ser humano possui uma tendência psíquica à integração do ego. Junto ao desenvolvimento natural do sistema nervoso, esse ego em processo de amadurecimento seria responsável pelo reconhecimento de um mundo ambíguo, onde a convivência com todas as gamas do espectro emocional é possível. A criança, antes envolvida por visões incompletas da realidade externa, consegue unir os objetos bons aos objetos maus, enxergando-os como um só, integrando, assim, seu mundo interior ao mundo exterior. Os pais deixam de ser deuses ou demônios; tornam-se meros mortais. Embora não o tivesse dito claramente, a maturidade psíquica para Klein envolve a passagem de uma visão mítico-religiosa do mundo para uma visão mais abrangente e sutil, onde todos temos o direito de sentir, pensar e agir conforme nossos sentimentos, sempre dentro de limites sócio-culturais.
Enquanto não reconhecermos esse nosso “lado negro da Força” – as pulsões mais destrutivas de nosso inconsciente – , corremos o risco de cair no seu abismo.
Por tal ponto de vista, o personagem de Lucas que fecha seu ciclo psíquico por completo é Anakin Skywalker: nasce como salvador, sucumbe às forças pulsionais de sua psique, e gera aquele que o destruirá. No entanto, é através da morte de Darth Vader pelo próprio filho que Anakin renasce, mesmo que por alguns instantes. Passando pelo céu e pelo inferno, Anakin torna-se, enfim, apenas – e demasiado – humano.
Guerra nas Estrelas (Star Wars). EUA. Direção e Roteiro: George Lucas. Gênero: Ação, Aventura, Fantasia, Sci-Fi.
# Episódios:
– I. A Ameaça Fantasma. Direção: George Lucas. 1999.
– II. O Ataque dos Clones. Direção: George Lucas. 2002.
– III. A Vingança dos Sith. Direção: George Lucas. 2005.
– IV. Uma Nova Esperança. Direção: George Lucas. 1977.
– V. O Império Contra-Ataca. Direção: Irvin Kershner. 1980.
– VI. O Retorno de Jedi. Direção: Richard Marquand. 1983.
# Personagens:
– Anakin Skywalker (epis. I Jake Lloyd) (epis. II e III : Hayden Christensen) (epis. VI Sebastian Shaw).
– Darth Vader (epis. III Hayden Christensen) (epis. IV, V, VI David Prowse) (epis. III, IV, V e VI dublando a voz: James Earl Jones)
– Obi-Wan Kenobi (epis. I, II e III Ewan McGregor) (epis. IV, V e VI Alec Guiness)
– Luke Skywalker (epis. IV, V e VI Mark Hamill)
– Princesa Leia (epis. IV, V e VI Carrie Fisher)
– Han Solo (epis. IV, V e VI Harrison Ford)
– Padmé Amidala (epis. I, II e III Natalie Portman)
– Mace Windu (epis. I, II e III Samuel L. Jackson)
– Mestre Yoda (performance Frank Oz) (epis. I, II ,III,V e VI)
– Chewbacca (epis. III, IV, V e VI Peter Mayhew)
– C-3PO (epis. I a VI Anthony Daniels)
– R2-D2 (epis. I, III, IV e VI Kenny Baker)
– Lando Calrissian (epis. V e VI Billy Dee Williams)
– Palpatine/Darth Sidious(epis. I, II ,III,V e VI Ian McDiarmid)
– Conde Dookan/Darth Tyrannus(epis II e III Christopher Lee)
– Qui-Gon Jinn -(epi. I Liam Neeson).
# Música John Williams acompanhado pela Orquestra Sinfônica de Londres.