REAÇÕES TERAPÊUTICAS NO ESPAÇO PSICANALÍTICO

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Ser ou não ser, eis a questão. Será mais nobre sofrer na alma pedradas e flechadas do destino feroz, ou pegar em armas contra o mar de angústias e combatendo-o, dar-lhe fim?

Shakespeare

Há tempo para tudo …tempo de falar e tempo de ficar calado.

Eclesiastes 3:7

Shakespeare no início do século XVII, declara nas palavras de Hamlet: “Será mais nobre sofrer na alma pedradas e flechadas do destino feroz, ou pegar em armas contra o mar de angústias e combatendo-a, dar-lhe fim?”. Três séculos depois, Freud propõe o método psicanalítico, a fim de exercer a nobre tarefa que busca combater o mar de angustias do psiquismo humano. Para tal, o médico austríaco parte em busca do conhecimento da alma humana, quer com isso, aliviar suas feridas, livra-la de suas angustias e habilita-la para o autoconhecimento.

Nesse intento, é de suma importância compreender que em todo tratamento psicanalítico há muitos processos que se fazem a partir da relação analista e analisando, a transferência e contratransferência, a múltiplas formas de resistência, e toda a dialética hermenêutica reverberam no naquilo que Freud chamou de pessoa real do analista. Assim, o pai da psicanálise declarou: Os analistas são pessoas que aprenderam a exercer determinada arte, mas, que nem por isso perderam o direito de permanecerem homens semelhantes aos outros homens.” (FREUD, 1937). No entanto cabe ao analista construir um modelo de identificação para servir de parâmetro ao seu analisando, desse modo, é necessário criar a relação que o analisando reconheça na figura do analista alguns atributos, tais como: comprometimento real com o ser do analisado, apatia e segurança em suas atitudes enquanto aquele que irá conduzi-lo em sua jornada de cura e autoconhecimento.

Não obstante, há de se considerar as variadas formas de resistência que o analisando apresenta de forma consciente ou inconsciente. Em A interpretação dos sonhos (1900), Freud define ‘resistencia’ como “tudo o que interrompe o progresso do trabalho psicanalítico” (p. 551) e que frequentemente se manifesta. Durante seus estudos, Freud postulou seis tipos de resistência e as categorizou de acordo com suas fontes, são elas: as do Ego (quatro tipos): ‘resistência de repressão’, ‘resistência de transferência’, ‘resistência de ganho secundário’, e a resistência de ego contra o próprio ego, pois  “considera a própria cura como um novo perigo” (FREUD, 1996, p. 271). Há apenas uma tendo como fonte o superego, esta, por sua vez, trata-se de uma resistência com forte ligação ao sentimento de culpa sob a exigência de punição. Ademais, existem as resistências impulsionadas pelo Id, que promovem uma obsessão pela repetição aliada forte oposição a mudanças.

Ainda que em muitos casos, o divã está situado de forma a não manter contato visual com o analisando, observa-se com frequência a manifestação do silêncio como resistência ao processo. Todavia, esse silêncio pode ser interpretado como algo que o analisando vem reprimindo, tal como citado anteriormente, a origem desse estado de mudez pode ter sua origem no consciente ou inconsciente, de maneira que cabe ao analista uma postura que exprima segurança e determinação, sem perder de vista a empatia. Em linhas gerais, orienta-se que o analista aguarde um estante de silêncio para os pensamentos fluírem, contudo se estado de anticomunicação permanecer, cabe uma abordagem retórica: “Quais lembranças trazem teu silêncio?”. Observa-se as reações no divã, suas contrações e posturas. Toda a linguagem não verbal é importante, uma vez que o silêncio pode ser uma forma de comunicar algo que não consegue verbalizar.

Diante da resistência, é salutar que o analista identifique a forma de defesa que se manifesta durante o processo. A repressão é uma das maneiras mais recorrentes, uma forma de fuga, para evitar algum tipo de conteúdo indesejável, “é uma operação psíquica que tende a suprimir conscientemente uma ideia ou um afeto cujo conteúdo é desagradável. No Brasil também se usa “supressão”. (ROUDINESCO E PLON, 1998, p. 659). Vale lembrar que o cerne da psicanálise se encontra na livre associação, sendo assim, ao silenciar, racionalizar, falar de forma desconexa ou sem muito sentimento na narrativa, fantasioso ou não, tudo isso constituem o conteúdo psíquico que se manifesta durante o tratamento, e é passivo de interpretação, já que são as dimensões do inconsciente que se busca compreender.

                   A terapia é terapia pela fala, mas também da escuta, um tipo de escuta empática, sensível e diagnóstica.  Freud trata sobre a “atenção flutuante”, aqui o inconsciente do analista participa do inconsciente do analisando levando o por meio dos caminhos associativos. Ademais, o psicanalista precisa também estar atento ao processos do ego e superego, escutar, os estados afetivos, os sonhos, as resistências, as fantasias, os comportamentos e atitudes.

Em síntese, as reações terapêuticas são em primeira instância uma relação do analisando consigo mesmo,  o espaço clínico que se constitui o locus (no setting) onde as angustias do ser (ego) e o não ser (inconsciente) são passivos de serem perquiridas; assim, a fala e a escuta se fazem pilares por meio dos quais o analista constrói seu fazer psicanalítico em sua missão no combater o mar de angustias e promover cura da alma humana, nessa trilha há percalços que precisam ser superados, trocas que necessariamente se estabelecem, e saberem que se vem átona emergidos do inconsciente.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS                                                                                               

FREUD, Sigmund. Análise terminável e interminável (1937) – Obras Psicológicas Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

FREUD, Sigmund. A Interpretação dos Sonhos. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

ROUDINESCO E PLON. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

ZIMERMAN, David E. Manual de técnica psicanalítica – Uma revisão. Porto Alegre: Artmed, 2008.