Raízes da Teologia Contemporânea – Resumo

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Só fica o que significa.

Francesco de Sanctis.

O Livro Raízes da teologia contemporânea de Pereira da Costa apresenta a construção da teologia contemporânea a partir do levantamento das concepções históricas e filosóficas que influenciaram o pensamento teológico contemporâneo.

Logo nas primeiras linhas pode-se encontrar a definição para o termo Teologia Contemporânea: “o estudo analítico-crítico das manifestações teológicas surgidas após a Reforma e, em geral, contrárias ao sistema dela” (COSTA, 2004, p. 15). Na página seguinte o autor ressalta a necessidade de compreensão da teologia do século XX. Assim observa na fala de Roger Nicole: “não podemos esperar que o nosso primeiro ponto de vista seja recomendado se nos mostramos totalmente ignorantes da posição de sustentar outros pontos”  Pereira Costa ainda aponta a reforma do século XVI e sua importância, pois esta nos “ensina a tirar lições importantes, até mesmo daqueles dos quais discordamos […] desperta-nos, muitas vezes, para temas que tem sido negligenciado pelos ciclos evangélicos.”(p.16)

Para justificar a visão crítica na abordagem do assunto Costa (2004) expressou a responsabilidade dos formadores de opinião na construção da teologia, desta forma é mister perceber que “somos, de certo modo, “domesticadores” do real através de nossas apropriações interpretativas que segue sempre a lógica de nossa perspectiva decorrente de nossa posição no mundo”.  Michel De Certeau (1925-1986) em A Escrita da História corrobora; “é necessário lembrar que uma leitura do passado, por mais controlada que seja pela análise dos documentos, é sempre dirigida por uma leitura do presente”.  Este efeito é em parte irônico e trágico ao mesmo tempo, pois como afirma Descartes ficamos cativos de nós mesmos, de nossa visão de mundo e dos fatos analisados.

Ao tratar do renascimento no primeiro capítulo da obra tem-se logo um esclarecimento acerca do papel do contexto que serve de terreno para fomentar renascimento. Assim “O que caracterizou a Idade Média no plano religioso é o chamado “teocentrismo” – mais nominal do que real, sendo a preocupações filosóficas […] a rainha das ciências” (p.31) “contudo, já no final do século 13, torna-se evidente a insatisfação com este estado de coisas”, assim a Revolta Campesina (1381). O Renascimento foi um movimento que rompeu com sistemas sociais, políticos e religiosos produzindo no campo teológico a necessidade de uma teologia mais vigorosa que abarcasse as concepções do mundo que surgia. Como aponta Rollo May(1974, p.38) “ vivemos o fim de uma era”.  Um dos problemas indicado por Costa(2004) é a confissão de pecados enquanto ação constrangedora que os padres católicos ainda insistiam em manter em relação a confissão de pedados. Delumea  apresenta a tese da “vergonha”; “tão grandes são as humilhações e a vergonha inerente ao ato de confessar”.

            Certamente “o renascimento quis voltar às fontes do pensamento e da beleza” como afirma Jean Delumeau. Neste sentido o renascimento tinha um interesse impar pela literatura maior do que pela filosofia e política.  O projeto de libertar-se dos fantasmas (mundo mágico) medievais estava em execução e certamente trazia uma nova forma de encarar o mundo. Consequentemente a teologia para a ser medida com base na leitura dos clássicos gregos, Platão, Aristóteles, Cicero. A escola trilíngue (grego, latim, hebraico) contribui significativamente para a construção de uma “nova teologia” a partir dos textos em grego, latim e hebraico. A Tipografia do século 15 e 16 contribuiriam para a rápida difusão das ideias e discussões que a teologia enfrentava. Os gênios da civilização aparecem.

Costa (2004) argumenta que neste período houve uma identificação essencial, uma harmonia entre o pensamento filosófico grego clássico e a teologia que fomenta a ideia de um único sistema monista. Não se pode esquecer que a valorização do homem centrada no ideal Homo Mensura (Heráclito) trousse o homem para o centro da discussão, “a imagens completa de todas as coisas ; o livro da natureza”,  consequentemente “homem não deve olhar para as alturas mas, para dentro de si” (COSTA, 2004, p. 66). O teólogo Francis A. Schaeffer (1985, p. 27) em Manifesto Cristão cita “Humanismo é a colocação do homem como centro de todas as coisas, fazendo-o medida de todas as coisas”.  De fato o “humanismo […] tornou parte importante da realidade, todavia, em geral esqueceu-se do principal […] Aquele quem dá sentido a tudo. O Homem tornou-se paradoxalmente a destruição da sua própria dignidade.” O homem mais uma vez escolhe o “fruto do conhecimento do bem e do mal” e se vê errante longe do “jardim da criação” buscando entender a si a partir de si mesmo e de seus semelhantes.

Em 2011 o téologo Alan Rennê escrevendo sobre a obra de Pereira da Costa(2004) cita:

No segundo capítulo (e também o maior), Pereira da Costa analisa a contribuição da Reforma Protestante para o aparecimento da Teologia Contemporânea. Para isso, primeiramente, ele lista alguns pontos peculiares da igreja romana no início do século XVI, como por exemplo: 1) o papado como potência religiosa, política e econômica; 2) a corrupção política, econômica e moral do clero no; aguda carência espiritual; 4) tentativas reformistas frustradas pela Inquisição; e 5) a transformação do culto num ritual vazio de significado, repleto de superstições. Sobre a carência espiritual mencionada acima, o maior exemplo disso foi demonstrado pelo próprio Martinho Lutero, nas suas conhecidas angústias espirituais a respeito de como um homem pecador poderia subsistir ante a justiça de Deus. A Reforma Protestante do século XVI foi, acima de tudo, um movimento religioso e teológico que teve como um de seus fatores desencadeadores a insatisfação espiritual dos indivíduos. É importante salientar que, a intenção original não era a criação de uma nova igreja,  mas sim a reforma daquela que ao longo da história se desvirtuara. Apesar do seu caráter religioso, a Reforma também pode ser considerada como um movimento cultural, institucional, social e político.

As palavras usadas na citação conseguem sumarizar bem a visão de Pereira da Costa(2004) ao abordar a Reforma Protestante em sua obra. Tenho que concordar com Alan Rennê quando aponta na obra de Pereira da Costa as contribuições da reforma protestantes. São elas:

1) na propagação das Escrituras, com a tradução da Bíblia para as diversas línguas, permitindo que as pessoas comuns tivessem acesso às verdades divinas; 2) na educação, como consequência da primeira, visto que um dos problemas e enfrentados pelos reformadores foi o analfabetismo das massas. Nesse ponto destacam-se as figuras de importantes personagens, como: Lutero, João Calvino e João Amós Comenius; 3) no trabalho, ao banir a ideia de que o trabalho se constituía numa tortura imposta ao homem após a Queda, e ao recuperar o ideal de que o trabalho é uma vocação e bênção divina. (2011)

Cabe ressalta que ainda no segundo capítulo (páginas 70 a 208) a suficiência das escrituras é tratada de maneira sublime.

Elas possuem autoridade: 1) Interna, demonstrada pelo fato da Bíblia ser a Palavra de Deus; 2) Hermenêutica, ou seja, a Bíblia é a sua melhor intérprete; 3) Norteadora, ao afirmar a Bíblia como ponto de partida da Teologia; 4) Condutora a Deus, ao asseverar a sua necessidade para fornecer o conhecimento correto a respeito de Jesus Cristo; 5) Para julgar a Teologia, ou seja, sua fidelidade ao texto bíblico; 6) Completa, quando diz que tudo aquilo que é necessário para a salvação está nela revelado; e 7) Escrita Final, descartando os chamados livros apócrifos. (Alan Rennê, 2011)

Pereira da Costa (2004, op. cit., p.208) conclui o capítulo com maestria quando afirma “O verdadeiro discípulo de Calvino só tem um caminho a seguir: não obedecer ao próprio Calvino ; mas Aquele que era mestre de Calvino”.  Sola Cristus!

Sobre O Pensamento Moderno (capítulo 3) tem-se na introdução uma citação que traz a premissa discutida em todo o capítulo.  “O homem moderno perdeu em grande parte a capacidade de crer e afirmar qualquer valor” –

Certamente a “filosofia Moderna é relativamente moderna” afirma Johannes Hirschberger até mesmo o conceito de moderno perde a solidez. À filosofia cabe a tarefa de conceituar e definir o ser. Aponta Costa (2004) “filosofar é a busca do ente do ser. A modernidade então se constitui como “o produto de uma evolução histórica, permeada por transformações econômicas, filosóficas, religiosas, educacionais e políticas, entre outras, estando todas elas entrelaçadas” (COSTA, op. cit., p. 209)

Mais uma vez as contribuições do teólogo Alan Rennê sobre estrutura e ideias apresentadas no terceiro capítulos se fazem necessária para elucidar o cerne deste capítulo.

No que concerne ao pensamento moderno, a filosofia moderna possui três características que evidenciam a sua descontinuidade com a filosofia medieval, quais sejam elas: 1) Autonomia  da filosofia; 2) Pluralismo de escolas filosóficas; e 3) Progressivo menosprezo pela Metafísica como disciplina filosófica e a vênia respeitosa pela Epistemologia e Metodologia. Sobre a ciência, é importante ressaltar que, de acordo com o pensamento moderno, o conhecimento científico era tido como capaz de analisar, julgar e descrever todos os fenômenos de forma imparcial, objetiva e livre de preconceitos. O compromisso da Ciência deve ser com a busca da verdade. Interessantemente, apesar da Ciência não estar atrelada a nenhum sistema religioso, a Ciência Moderna nasceu permeada de pressupostos religiosos encarnados nos principais cientistas desse período como Johannes Kepler, Tomás Campanella, Nicolau Copérnico, Galileu Galilei, Isaac Newton e G. W. Leibniz. Contudo, a “moderna” Ciência Moderna considerou a ideia de “Deus” como não possuindo lugar em seu meio. Destaca-se a autossuficiência humana no controle e na explicação de todos os fenômenos.

A forma com que Pereira da Costa (2004,op. cit., p.231) responde às criticas feitas ao liberalismo apresentado pelos críticos modernos é bem consistente e relevante. Para ele “devemos estar atentos ao fato de que as Escrituras não se propõem a fazer ciência […] Moisés, inspirado por Deus, escreve do ponto de vista fenomenológico, sem a preocupação – já que este não é seu objetivo de registrar com terminologia científica os fatos”.

Ao tratar no quarto capítulo Ortodoxia Protestante e consequentemente a Reforma Protestante e Iluminismo Pereira da Costa (2004) denuncia a crença na racionalidade que de tanta “luz” começa a cegar, todavia o protestantismo ganha folego na sistematização de seu pensamento teológico. Desta forma “alguns fatores contextuais foram decisivos para o surgimento desse período: 1) Educação formal no pensamento aristotélico, através de personagens ilustres das principais universidades européias (Melanchton, Pedro Mártir Vermigli, Jerônimo Zanchi, Conrado Gesner e Teodoro Beza); 2) A controvérsia protestante a respeito da suposta autoridade final da Igreja em interpretar as Escrituras; 3) Confiança na Razão como consequência do princípio de que Deus é o autor de todo conhecimento; 4) Preservação da sã doutrina das heresias romanas e sistematização doutrinária e confessional da Igreja; e 5) A questão da “Fé Explícita”, ou seja, a necessidade de que o indivíduo compreendesse devidamente os ensinamentos doutrinários como condição para que pudesse se filiar à Igreja.” (Alan Rennê,  2011)

É interessante notar a reflexão do Doutor Hermisten Maia Pereira da Costa (2004), sempre preocupado em apontar as lacunas em cada momento, neste sentido denuncia o autor “a Ortodoxia  Protestante […] impulsionou a preocupação puramente doutrinária , acarretando uma estagnação espiritual marcada por um formalismo vazio”. Sem medo de errar este “vazio” ressoou no século XXI.

O capítulo intitulado “Pietismo” apresenta um caráter mais histórico que os demais apresentados até o momento.  O capítulo pode ser visto enquanto  de uma perspectiva histórica que acaba por trazer influencias  e contribuições para a teologia protestante na figura do conde Nicolau Ludwig von Zizendorf (1700-1760).  O subjetimo foi extremamente valorizado neste movimento.

No capítulo seis me deparei com a surpresa de ser um capítulo com apenas duas folhas (páginas 279 a 282), entretanto como disse Paul Tillich (1986) “a maior parte do nosso pensamento acadêmico se baseia neles” os iluministas. É um capítulo que merece do leitor um momento para reflexão sobre o que fizemos da nossa teologia. Será mesmo A razão o critério último da verdade?

O último capítulo apresenta uma leitura sobre O Liberalismo Teológico. Por liberalismo teológico Peirard conceitua “o desejo de adaptar as ideias religiosas à cultura e forma de pensar modernas”. Note que mesmo esta definição é extremamente subjetiva e filosófica. O que se entende por moderna, por cultura?  Percebe-se ainda uma marca muito forte por parte do iluminismo e da filosofia moderna. As contribuições de Immanuel Kant (1724-1804), com a sua distinção entre o Noúmeno  (a coisa em si) e  Fenômeno  (a forma como a coisa se apresenta) que irá resultar numa teologia deista, “pois “Deus”, “alma” e “liberdade” são coisas que pertencem ao mundo do noúmer, ao qual não temos acesso pela razão. Apesar da razão humana ser dotada de ideias a priori “Deus”, “alma” e “liberdade” é impotente para lhe dar conteúdo; por isso, tais ideias são incognoscíveis  como coisa em si. “(COSTA, p. 287)

Mais uma vez a voz do teólogo brasileiro Alan Rennê Alexandrino Lima caem como uma luva para resumir as ideias apresentadas aqui.  Rennê ressalta:

 “A influência iluminista sobre a Teologia pôde ser percebida nas seguintes áreas: 1) Historicismo, ou seja, que resultou no questionamento da integridade e credibilidade das narrativas históricas da Bíblia; 2) Cientificismo, através do pensamento de que só a Ciência seria capaz de responder o s principais problemas da sociedade, visto que a religião sempre estivera errada; 3) Subjetivismo religioso, ao elevar a razão individual como critério da verdade ou experiência mística; 4) Antropocentrismo, através da tentativa de harmonizar a verdade teológica com os princípios racionais para promover o bem-estar do homem. Até mesmo a existência passou a ser aceita, desde que, trouxesse algum benefício ao ser humano; 5) Racionalismo, através da submissão da Teologia à Filosofia, com a eliminação de doutrinas ofensivas à razão humana e a racionalização das Escrituras; 6) Toleracionismo, por meio da redução do cristianismo a apenas mais uma religião dentre tantas, fruto da imaginação fértil do ser humano. No que concerne à questão religiosa, a tolerância passa a ser vista como a virtude suprema e, o dogmatismo, como o pior pecado; 7) Otimismo em relação às capacidades da razão humana e descrédito para com a doutrina do pecado original e da total depravação do homem; 8) Ética, que galgou o status de assunto de  primeira importância, e o cristianismo foi reduzido ao status de religião cujo conteúdo essencial seria a ética; 9) Crítica textual. Os documentos antigos passaram a ser estudados e analisados quanto à sua autenticidade. A consequência disso foi o abandono da doutrina da Inspiração Plenária e o tratamento dispensado à Bíblia como um livro qualquer. (2011)

Com uma singela sabedoria o autor da obra deixa uma bela recomendação aos leitores. Pereira da Costa (2004) se expressa com as seguintes palavras “a esperança para o mundo em ultima instancia não está na ciência, mas nos homens fieis a Deus”

 


 

 Francesco Sanctis,Itália,1817. Intelectual, crítico literário, ensaísta e político italiano nascido em Morra Irpina.
 Roger Nicole. Introdução: In: Stanley N. Gundry, org. Teologia Contemporânea, São Paulo, Mundo Cristão, p. 5
Rollo May. Poder e inocência  Rio de Janeiro. Artenova.
 Descartes, Discurso do Método, I, p.41
 Alan Rennê Alexandrino Lima. Tucuruí, Pará, Brasil. Bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico do Nordeste, em Teresina (2005); Bacharel em Teologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2009); Mestrando em Teologia (Sacrade Theology Magister) com concentração em Estudos Históricos e Teológicos e linha de pesquisa em Teologia Sistemática no Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper
Rollo Nay, O Homem a Procura de si Mesmo. 5ª Edição, Petropolis, RJ. Vozes, 1976, p. 176
 J. Hirschberger, História da Filosofia Moderna, São Paulo, Herder, 1960, p. 20
 Martim Heidegger; Que é isto – Filosofia?, São Paulo, Abril Cultural. Os Pensadores, Vol. 45, 1973 p. 211 e 222
Alan Rennê Alexandrino Lima. http://cristaoreformado.blogspot.com.br. Acesso 18 de maio de 2012

DADOS DA OBRA:

Dados sobre a obra:

Raízes da Teologia ContemporâneaHermisten Maia Pereira da CostaEDITORA CULTURA CRISTÃISBN: 85762205201ª EDIÇÃO – 2004