Aquele que nunca se envolveu em uma discussão um pouco mais acalorada, que atire a primeira pedra! E quem já não viu tal discussão terminar com aquela velha e concludente frase, digna de encerrar todo e qualquer papo que envolve a política e a fétida sociedade em que vivemos…
A frase a que me refiro é a seguinte: ‘Enquanto o povo tiver futebol, samba e cerveja, o Brasil vai continuar desse jeito!’
A última vez que me disseram isso, e faz poucos dias, pela primeira vez ao ouvir a frase senti um certo desconforto ideológico. Como consequência, tive a garganta temporariamente travada. Logo percebi que não havia ainda pensado sobre o assunto de uma maneira distinta, e que seria necessário fazê-lo.
Foi então que trabalhei a hipótese de que talvez aquilo fosse uma grande besteira, digna do Febeapá (Festival de Besteira que Assola o País), do querido e saudoso Stanislaw Ponte Preta. E, como toda boa bobagem, viaja insistentemente boca a boca, cérebro a cérebro, com a mesma liberdade dos vírus quando encontram a hospedagem corporal. A primeira sensação que tive é a de que a frase talvez já não coubesse por inteiro nesta terra brasilis.
Observando melhor, a realidade mudou e o discurso ainda continua sendo o mesmo. Pois, o país que vivemos há muito tempo deixou de ser o país do samba, futebol e cerveja. E até a ditadura burguesa amenizou seu rosto, maquiou sua tez.
Antes cantava-se: ‘Quem não gosta de samba, bom sujeito não é, é ruim da cabeça ou é doente do pé’. Há quanto tempo o país deixou de preferir o samba? O samba está se transformando em música de elite, se unindo ao choro, ao maxixe, à música clássica, ao frevo. O que temos escutado ultimamente (ou evitado escutar) é só ‘musiquinha’, música fácil para pegar rapidamente a maioria incauta, isso sem falar na falsa música, o barulho que recebe reconhecimentos, galardões e honrarias deste sistema. Sim, a mídia nos encheu de lixo nacional, se já não bastasse a lixarada internacional a nos aturdir os ouvidos. E passou assim a coroar os ‘baluartes’ dessa coisa que chamam ‘música’ hoje em dia: sertanejo, pagode, axé, gospel e funk.
E quanto ao futebol? Bem… O filme ‘Pra frente, Brasil’, dirigido e escrito por Roberto Farias, denunciou o uso do futebol pela ditadura que se instalou no Brasil a partir de 1964, evidenciando que o esporte bretão serviu para desviar a atenção da massa dos vis acontecimentos que ganhavam o país (crimes de tortura, assassinatos seletivos, enfim, cruel repressão aos opositores do regime, configurando crime de lesa-humanidade), tudo desenvolvido com o auxílio da mídia televisiva, aliada ao terrorismo de Estado. E, a partir daí, o futebol levou a fama!
Mas, o futebol já nem é mais o único esporte nacional, os próprios jovens já não fazem tanta questão de jogá-lo, preferem, quando muito, assisti-lo pela TV (a cabo ou sem cabo). Além disso, o futebol virou espetáculo televisivo, na medida em que os estádios tiveram suas vagas e lotações diminuídas e os ingressos se tornaram muito caros.
Mas, vamos lá. Se isso é uma verdade histórica dos terríveis anos setentas, isso já não funciona assim tão como antes. Isso por motivos óbvios. Para sermos justos, teríamos que colocar lado a lado, muitas outras coisas e não depositar toda a responsabilidade pela alienação existente no popular esporte bretão. Há um mundo além do futebol, uma tonelada de outras bolas ou de outros chutes a acertar os nossos sacos e traseiros.Vejamos…
A televisão também é circo, circo eletrônico, e de péssima qualidade tanto no Brasil quanto no mundo burguês como um todo. A TV vomita lixo em cima de todos praticamente durante as 24 horas do dia, todos os dias do ano e há anos. E as igrejas eletrônicas que além de compor o horário tele-visível, viraram enormes casas de espetáculo duvidoso, normalmente para bendizer o Deus Dinheiro e sua mãe – a (Nossa Senhora) Mercadoria. Enquanto as pessoas ORAM, os pastores, os padres eletrônicos e todos os outros capitalistas explORAM. Mas, fora isso, existem os bailes de funk, um verdadeiro circo a preparar para o UFC (combate) da vida, os mega-shows internacionais e os Rock in Rio’s da vida. Sem falar nos filmes hollywoodianos, que monopolizaram as salas de cinema no Brasil, expulsando quase completamente o filme nacional da possibilidade de ser assistido. Tudo funcionando no mesmo sentido: o da alienação e o do uso desse pessoal alienado para fins escusos.
Quanto à cerveja, devido à Lei Seca e à aliança das igrejas com o Estado neoliberal privatizador, tem sido substuída pelos refrigerantes como bebida preferida da nação!
Diante de todas essas evidências, que tal então mudarmos e atualizarmos o dito popular ao final de cada conversa? E que tal: ‘Enquanto houver igreja, funk e refrigerante, o Brasil vai continuar desse jeito’.
Renato Fialho Jr.