O Simbolismo do Natal: História e a Religião

Compartilhe em sua Rede Social

História, o Inconsciente e a Revelação

Convido você a olhar para além da superfície. As tradições do Natal , a árvore, a data, o velhinho de barba branca, não são meros resquícios pagãos ou jogadas de marketing. São construções culturais complexas que, se decifradas corretamente, apontam para verdades ontológicas que nossa alma desesperadamente precisa ouvir.


Esqueça a ideia simplista, muitas vezes repetida sem critério, de que a árvore de Natal é uma cópia direta de cultos cananeus a ídolos como Aserá. A historiografia acadêmica moderna é cautelosa e nos afasta dessa conexão linear. O que temos, historicamente, é a prática germânica (séculos XV-XVI) de trazer para dentro de casa árvores em forma de cones que teimosamente permanecem verdes enquanto todo o resto morre no inverno rigoroso.

    Aqui, a psicologia profunda de Jung nos oferece uma chave de leitura fascinante: a árvore é um símbolo do Self, o processo de individuação, o crescimento vertical em direção à luz. Teologicamente, essa imagem ganha contornos de redenção. Ela ecoa a Árvore da Vida no Éden e prefigura a cruz de Cristo, o madeiro onde a vida foi devolvida à humanidade. Em um mundo onde “a morte reinou desde Adão”, o símbolo de uma árvore que não perde o vigor diante do inverno aponta para a esperança da imortalidade e da vida eterna, dádivas que transcendem nossa finitude biológica.


    Por que celebramos agora?

    A fixação do 25 de dezembro não vem de uma certidão de nascimento bíblica, mas de uma resposta litúrgica e existencial da Igreja primitiva. Seja ressignificando o culto romano ao Sol Invictus ou baseando-se em cálculos teológicos antigos, a escolha reflete uma necessidade humana visceral: celebrar a Luz exatamente no momento de maior escuridão (o solstício de inverno no hemisfério norte).

    De onde vieram a tradição semanal ou mensal de enfeitar com Luzes?

      É preciso ter rigor aqui: frequentemente tenta-se traçar um paralelo direto com festas judaicas, mas não há uma relação histórica de dependência entre o Natal e o Hanukkah (Festa das Luzes). O Hanukkah ocorre no mês judaico de Kislev e, embora possa coincidir sazonalmente com o final de dezembro, trata-se de uma aproximação de calendário, não de uma continuidade histórica comprovada. Ambas as festas lidam com a simbologia da luz, mas seguem trajetórias distintas.

      Essa busca pela luz harmoniza-se perfeitamente com a profecia de Isaías: “O povo que andava em trevas viu uma grande luz”.

      O Natal não é sobre a precisão do calendário (Chronos), mas sobre a irrupção do Kairós, ou seja, o tempo oportuno de Deus invadindo a história para iluminar a “terra de profunda escuridão”, que no contexto exegeses bíblica trata-se de uma humanidade idólatra e egoísta.


      Se o dia 25 de dezembro dialoga com o solstício — o momento em que o sol parece ser vencido pela escuridão do inverno antes de renascer —, a vida de Jesus preenche esse simbolismo com uma realidade histórica e ontológica avassaladora. Diferente do mito romano do Sol Invictus, que se repete ciclicamente na natureza, a vitória de Cristo é um evento único e definitivo.

        O prólogo do Evangelho de João nos oferece a chave de leitura mais profunda para o Natal: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos a sua glória” (João 1:14). Aqui reside o escândalo e a beleza fé cristã. Jesus não é uma ideia abstrata ou um mito solar; Ele é o Logos eterno que escolheu entrar no “inverno” da condição humana.

        Para se levantar como a “Resplandecente Estrela da Manhã” (Apocalipse 22:16), Jesus precisou, primeiro, mergulhar na noite da nossa existência. Ele vivenciou o frio da rejeição, a escuridão do Getsêmani e o silêncio do túmulo. Sua luz não é ingênua; é uma luz vitoriosa que atravessou a morte para demonstrar que suas palavras não eram mitos consoladores, mas a Verdade inabalável. Enquanto o sol romano apenas aquece a pele, a Luz de Cristo, validada pela Ressurreição, aquece a alma e dissipa a sombra da morte para sempre.


        A figura do Papai Noel tem raízes nobres. Ela evolui de São Nicolau de Mira, um bispo cristão cuja memória evoca a generosidade e o cuidado com os vulneráveis. No entanto, a cultura contemporânea metamorfoseou esse símbolo de caridade em um ícone de consumo, alimentando o que Theodore Dalrymple acidamente denomina uma “geração de podres de mimados”.

          Na psicanálise lacaniana, o consumismo natalino desenfreado revela-se como uma tentativa neurótica de preencher a “falta” constitutiva do sujeito com objetos (objets petit a). É uma busca alienante, pois o objeto de consumo promete uma plenitude que nunca entrega.

          A alienação aqui atua como um “ópio existencial”: substituímos a presença real do Pai Celestial, que nos disciplina e ama, por uma figura imaginária que promete satisfação imediata de desejos infantis. O perigo não está na brincadeira lúdica, mas na substituição do sagrado pelo profano, onde a troca comercial suplanta a gratuidade da Graça.


          Não precisamos temer os símbolos culturais; precisamos temer a alienação que nos cega para a Verdade que eles carregam. Como reformados, afirmamos que “toda boa dádiva vem do alto” (Tiago 1:17).

          O Natal, quando despido de seus excessos comerciais e compreendido em sua profundidade histórica, torna-se um convite urgente. É o chamado para sairmos da “caverna” (Platão), o mundo das sombras, das ilusões e das mercadorias para assim contemplarmos a verdadeira Luz que veio ao mundo, Jesus.

          A resposta para a nossa angústia existencial não será encontrada na estética da festa, na mesa farta ou nos presentes caros. Ela está na ética do Amor revelado na encarnação do Verbo. É preciso, como sugeriu Kierkegaard, ter a coragem de um “salto de fé” para além dos ritos vazios, encontrando o Deus que se fez carne não para nos dar coisas, mas para se dar a nós.

          Referências Bibliográficas


          [1] BBC NEWS BRASIL. São Nicolau: a história do bispo que inspirou Papai Noel. 22 dez. 2022. Disponível em: bbc.com. Acesso em: 03 dez. 2025.

          [2] CIÊNCIA HOJE. Paganismo e cristianismo nas noites de Natal. 18 jan. 2022. Disponível em: cienciahoje.org.br. Acesso em: 03 dez. 2025.

          [3] CUSACK, Carole M. Por que temos árvores de Natal? National Geographic Brasil, 02 dez. 2024. Disponível em: nationalgeographicbrasil.com. Acesso em: 03 dez. 2025.

          [4] DW. A história da árvore de Natal. Deutsche Welle, 22 dez. 2023. Disponível em: dw.com. Acesso em: 03 dez. 2025.

          [5] FREUD, Sigmund. O Mal-estar na Civilização. Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

          [6] ENSINAR HISTÓRIA. Mitra, o Sol Invicto e o nascimento de Jesus. 20 dez. 2024. Disponível em: https://www.google.com/search?q=ensinarhistoria.com.br. Acesso em: 03 dez. 2025.

          [7] NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL. Quem foi São Nicolau e por que ele inspirou a criação do Papai Noel? 10 dez. 2024. Disponível em: nationalgeographicbrasil.com. Acesso em: 03 dez. 2025.

          [8] RADIO BBC / BBC NEWS. A história e curiosidades do Natal, desde evangelhos e tradições. BBC News Brasil, 22 dez. 2022. Disponível em: bbc.com. Acesso em: 03 dez. 2025.

          [9] UOL – BRASIL ESCOLA. Papai Noel: origem, influências, representação. 03 dez. 2023. Disponível em: https://www.google.com/search?q=brasilescola.uol.com.br. Acesso em: 03 dez. 2025.

          [10] BORGES, Renato. Além da Angústia: A Jornada Existencial na busca por Deus. 2. ed. Goiânia: Edição do Autor, 2024.