Da Ideia de Universidade à Universidade de Ideias: A Identidade Universitária no Século XXI

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A universidade tem sido, ao longo dos séculos, um dos pilares da produção de conhecimento e da formação crítica de indivíduos. Contudo, a crescente complexidade social, econômica e tecnológica exige que as universidades reexaminem suas funções e sua identidade. No livro Da Ideia de Universidade à Universidade de Ideias, Boaventura de Sousa Santos (1989) propõe uma reinterpretação do papel das universidades no cenário contemporâneo. Através da análise das transformações institucionais e das tensões entre tradição e inovação, Santos defende a construção de uma “universidade de ideias”, que seja democrática, plural, inovadora e capaz de responder aos desafios do século XXI.

1. A Ideia de Universidade e Suas Transformações

1.1 Democratização do Conhecimento

Para Santos (1989), a universidade deve ir além do simples acesso ao ensino superior, buscando democratizar o conhecimento de maneira efetiva.

A democratização implica não apenas no acesso à educação formal, mas também na integração de atividades de extensão e no incentivo à produção e disseminação de saberes críticos e inclusivos. “A universidade, nesse contexto, deve promover um ambiente no qual docentes, discentes e funcionários compartilhem suas experiências e construam um saber coletivo” (MIRANDA, 2025), sem as barreiras tradicionais entre as áreas de conhecimento.

A legitimidade da universidade está intimamente ligada à sua capacidade de criar espaços de interação e reflexão que envolvam todos os membros da comunidade acadêmica. A criação de “comunidades interpretativas” (SANTOS, 1989, p. 43), que incluam diferentes perspectivas sobre o conhecimento, é essencial para que a universidade cumpra sua função social e educativa de maneira plena.

1.2 A Universidade e a Inovação

Outro ponto fundamental da proposta de Santos é o papel da universidade como agente de inovação. Ele destaca que, embora a universidade tenha sido tradicionalmente um bastião da “ciência normal”, que segue as normas estabelecidas de produção de conhecimento, é necessário incentivar pesquisas que rompam com essas normas e busquem alternativas inovadoras (SANTOS, 1989, p. 39). A “pesquisa revolucionária” deve ser reconhecida e valorizada, e não se limitar à pesquisa voltada apenas ao mercado ou às ciências aplicadas. Essa abordagem possibilita que a universidade seja um centro de transformação intelectual e social, criando novas formas de entender e interagir com o mundo.

2. A Crise de Legitimidade e os Desafios Estruturais

2.1 Crise de Hegemonia e Crise Institucional

Boaventura de Sousa Santos (1989) argumenta que as universidades enfrentam uma crise de legitimidade, o que está relacionado à perda de consenso sobre o papel da instituição na sociedade. A crise de hegemonia se refere à exclusividade do conhecimento produzido nas universidades, que, por muito tempo, foi considerado o único legítimo. Além disso, a crise institucional está associada à dificuldade das universidades em se adaptar às novas exigências do mercado de trabalho e às mudanças sociais (SANTOS, 1989, p. 13).

Essas crises exigem uma reflexão profunda sobre o papel da universidade. Em vez de continuar sendo uma instituição elitista, a universidade deve se abrir para a pluralidade de saberes, abordagens e perspectivas, e adaptar-se às novas realidades do mundo do trabalho e da sociedade globalizada. A universidade precisa ser mais flexível e menos dogmática em suas práticas, considerando as necessidades de diferentes segmentos da sociedade.

2.2 Hierarquização e Massificação do Ensino Superior

O processo de massificação do ensino superior também resultou em uma crescente hierarquização entre as universidades, criando uma distinção entre as universidades de elite e as universidades de massas. Para Santos (1989, p. 27), essa diferenciação tem impactos diretos na qualidade do ensino e na produção de conhecimento. As universidades de elite, muitas vezes, focam em um tipo de conhecimento especializado e voltado para o mercado, enquanto as universidades de massas enfrentam dificuldades para manter um padrão de ensino elevado e adaptado às necessidades da sociedade.

3. A Universidade de Ideias: Propostas para o Futuro

3.1 Inovação nos Modelos Educacionais

Uma das propostas centrais de Santos (1989) é a inovação nos modelos educacionais. Ele sugere que as universidades reformulem suas metodologias de ensino para que elas incluam práticas mais contemporâneas, que estimulem a criatividade, a crítica e a reflexão. A universidade, ao adotar novas abordagens pedagógicas, deve se tornar um espaço dinâmico e flexível, capaz de adaptar-se rapidamente às mudanças sociais e tecnológicas.

3.2 A Integração com o Setor Produtivo

Santos (1989) também defende a integração da universidade com o setor produtivo, mas de uma maneira que preserve sua autonomia acadêmica. As parcerias com indústrias e empresas podem ser vantajosas para alinhar a formação acadêmica às necessidades do mercado, sem comprometer a liberdade de pesquisa e o compromisso da universidade com a produção de conhecimento crítico. A chave para esse equilíbrio está na capacidade de manter a independência intelectual da universidade, evitando a subordinação às demandas do mercado.

3.3 Valorização da Educação Geral

Por fim, Santos (1989) sugere que a universidade deve valorizar a educação geral, que não se restringe à formação profissional. A formação acadêmica deve desenvolver não apenas habilidades técnicas e profissionais, mas também competências críticas, culturais e éticas, fundamentais para a formação de cidadãos conscientes e responsáveis.

4. Considerações

A proposta de uma “universidade de ideias” apresentada por Boaventura de Sousa Santos é uma visão de universidade que se adapta às necessidades e desafios do mundo contemporâneo, sem abrir mão de seu papel crítico e transformador. A universidade deve se reinventar, tornando-se um espaço de inovação, inclusão e flexibilidade, onde o conhecimento seja democratizado e compartilhado. “A reflexão sobre a crise de legitimidade, a hierarquização do ensino superior e os desafios institucionais é essencial para repensar a identidade da universidade e garantir que ela continue a cumprir sua função social e educativa de maneira relevante e eficaz.” (MIRANDA, 2025)


Referências

MIRANDA, José Eduardo de. O papel docente no ensino superior: como pensar o ensino superior na atualidade. Palestra proferida no dia 27 de janeiro de 2025, na unidade UNIALFA Perimetral, Goiânia, Goiás, Brasil.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Da Ideia de Universidade à Universidade de Ideias. Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e Centro de Estudos Sociais. Revista Crítica de Ciências Sociais, nº 27 e 28, junho de 1989.