O autor e sua história:
Lawrence J. Kohlberg (1927 – 1987), nascido nos E.U.A., proeminente teórico que tratou o desenvolvimento humano relativo a questões de ordem moral e ética. Ele foi aluno de Piaget e seguiu em parte a obra de seu mestre
sobre a educação da criança, porém, sentiu limitações na teoria piagetiana. Defendeu sua tese de doutorado em 1958, quando pela primeira vez admitiu a existência de estágios hierárquicos e seqüenciados de desenvolvimento moral. Suas pesquisas, em conjunto com inúmeros estudiosos e seguidores como E. Turiel, J. Rest, A . Higgins, R. Mayer, A . Colby, M. Blatt, dentre outros, abrangeram diferentes aspectos do desenvolvimento e da educação moral, as quais trouxeram uma comprovação empírica para sua teoria e lhe deram um caráter universal a partir dos estudos interculturais. Fiel aos pressupostos da epistemologia e da psicologia genética de Piaget, ele concentrou seu trabalho no estudo de adolescentes e adultos, e defendeu a existência de seis estágios de desenvolvimento da moralidade, contidos em três grandes níveis.
Lawrence Kohlberg estendeu e ampliou o trabalho sobre o desenvolvimento moral, cerca de 30 anos depois das publicações de Piaget que havia dirigido mais especificamente seus estudos sobre o pensamento lógico e científico não seguindo seu trabalho sobre julgamentos morais. Kohlberg produziu uma vasta obra de livros, artigos, pesquisas, enfim, um trabalho contínuo e sistemático sobre o desenvolvimento moral, que fez dele um dos psicólogos mais citados nos Estados Unidos e Europa. Em 1964 estabelece sua teoria, a qual é revista em 1978. Ele faleceu aos 60 anos, ou seja, em 1987, data recente se observarmos a questão temporal de consolidação de uma teoria, ainda mais quando esta levanta outros estudos paralelos ou seqüenciados de comprovação. Este aspecto contribui para a dificuldade de se encontrar material bibliográfico sobre o autor e sua obra em português, tendo em vista que poucos são os pesquisadores que se interessam pelo desenvolvimento moral segundo os estudos de Kohlberg.
Principais interesses
Dentro do campo teórico científico do desenvolvimento humano apresentam-se quatro teorias referenciais de abordagem de estudos, são elas: psicanalítica, aprendizagem, maturacional e cognitivo-desenvolvimental. Foi por esta última que Lawrence Kohlberg interessou-se abordando o raciocínio sobre questões morais e éticas. Como Piaget, Kohlberg estava interessado em como a criança pensa, mais do que no que ela pensa, e em segundo, viu o desenvolvimento numa série de estágios os quais ocorrem numa ordem fixa, independentemente do sistema social ou cultura em que a criança se desenvolve. Kohlberg preocupou-se em focalizar o desenvolvimento da autonomia moral. Estudou crianças mais velhas e adultos quando têm que enfrentar algum dilema moral ou ético. Ele não se interessou propriamente no comportamento ou conduta moral, mas sim na tomada de decisões morais, ou seja, o julgamento moral. Piaget, ao estudar o desenvolvimento moral, estabeleceu uma nítida diferenciação entre uma fase de heteronomia moral e uma de autonomia moral, sendo que na fase de heteronomia estão presentes regras absolutas e intangíveis e, na fase de autonomia nota-se a moral pela igualdade ou da reciprocidade. E analisando as teorias cognitivas de Piaget, Kohlberg considerou que nesse enfoque havia a possibilidade de aplicá-lo ao estudo de desenvolvimento moral.
Inicialmente, Kohlberg analisou pesquisas relativas a esse enfoque teórico realizado posteriormente aos de Piaget, concluindo que os resultados apresentam considerável suporte, mas ainda não eram insuficientes para alguns aspectos dessa teoria, como por exemplo o de que o desenvolvimento do julgamento moral depende da interação da criança com o grupo. Além disso, a criança percorre um longo caminho da autonomia moral a moralidade do adulto, e esta teoria é comprovada, segundo ele, mediante ao estudo focalizado. Na opinião de Kohlberg, as pesquisas anteriores não sustentavam a hipótese de que existissem relação entre quantidade de recompensa e punição e maior resistência moral, pois as crianças aceitam mais as normas morais em ambientes com clima social favorável do que com clima hostil ou ameaçador. Dessa forma Kohlberg desenvolveu um estudo iniciado em 1958 com indivíduos de classe média trabalhadora que eram entrevistados a cada três anos, dos 10 aos 16 anos. E segundo ele, o desenvolvimento moral segue a seqüência de estágios, gradualmente, os quais atendem os critério propostos por Piaget. Também afirma que os estágios de julgamento moral são elaborados conjuntamente com a realidade e não em respostas aprendidas em situação específica. Kohlberg discutiu algumas tentativas de investigar a relação entre o nível de julgamento moral e a conduta moral e, conclui que o raciocínio lógico é condição necessária para uma conduta moral amadurecida. Além disto, afirmou que os estudos experimentais fundados em teorias de aprendizagem social não deveriam tentar relacionar diferenças individuais e traços com diferentes formas de atuação dos pais nos primeiros anos de vida já que nesse período, as influências dos pais são marcantes. Este por ser um período crítico, pode produzir mudanças irreversíveis na personalidade de um indivíduo.
A teoria de Kohlberg
Desenvolvimento da teoria
Insatisfeito com a obra de Piaget, ainda que aceitasse a abordagem cognitivo-evolutiva, Kohlberg dedicou-se a redefinição dos estágios de desenvolvimento moral estabelecendo seu próprio esquema, criticando aspectos fundamentais da teoria piagetiana. Segundo Kohlberg, existem seis estágios em ordem invariável, como os de Piaget, em que se desenvolve a moralidade. Kohlberg trabalhou com população de até 16 anos procurando verificar a ocorrência desses estágios, utilizando-se do método clínico de Piaget, entrevistas e apresentações de histórias emparelhadas para serem comparadas e julgadas. Diante dos dilemas cotidianos enfocava o estudo referente a qualidade do julgamento e não da escolha em si. Kohlberg cita os estágios para que o indivíduo tem que passar para evoluir, porém, para ele, muitos adultos não passam do 3º estágio, onde está presente as expectativas interpessoais mútuas, relacionamentos e conformidades interpessoais. E através de uma série de estudos e pesquisas, elaborou um esquema de desenvolvimento moral definido em três níveis e seis estágios.
Diante dos estudos empíricos é baixa a freqüência de indivíduos que apresentam desempenhos correspondentes a estágios muito distanciados, Kohlberg realizou sua pesquisa observando 72 rapazes de classe média, da zona urbana, de Chicago, divididos em grupos de 10, 13 e 16 anos, chegando a definição dos estágios de desenvolvimento moral. Utilizou-se de entrevistas apresentando dilemas a um rapaz por vez. Percebeu então que há tendências etárias quanto ao raciocínio moral encontrado nas respostas, definindo os estágios baseando-se no modo como as crianças respondiam aos dilemas apresentados. Kohlberg também pesquisou crianças de classe média, da zona urbana do México e Taiwan, além de aldeias isoladas na Turquia e Yucatan. Concluiu que há uma seqüência universal de estágios independentemente da cultura. E mesmo que exista diferença quanto às idades em que as crianças alcançam cada estágio, em diferentes culturas não foram detectadas diferenças importantes no desenvolvimento moral entre Católicos, Protestantes, judeus, Budistas e Ateus. Em 1971, Kohlberg afirmou ter demonstrado que os estágios de desenvolvimento moral apresentam a característica de estrutura de conjunto e, tal resultado deve-se às pesquisas longitudinais inter-culturais em corte universais. Além do que, este tipo de pesquisa comprovou a invariabilidade da seqüência dos estágios. Entretanto, nem todos os indivíduos alcançam cada estágio de seqüência com a mesma idade. Em todas as culturas, formas iguais de raciocínio moral podem ser detectados. Segundo Kohlberg, estas formas é que são importantes e não o conteúdo do raciocínio. Kohlberg, em 1978, reviu sua obra e chegou à conclusão de que pode não haver um sexto estágio separado. Em estudos tanto de jovens americanos como de jovens turcos não havia indícios comprobatórios desse estágio . A conclusão de Kohlberg foi de que:
” … meu sexto estágio foi principalmente uma interpretação teórica sugerida pela obra de figuras de elite como Martin Luther King, e não um conceito desenvolvimental empiricamente confirmando” (Bee & Mitchell, p. 288, 1984)
Em outras palavras, princípios éticos universais só orientam pouquíssimas pessoas extraordinárias, provavelmente aquelas que devotam a própria vida a causas humanitárias. Resumo de um dilema usado por Kohlberg, o mais conhecido:
“A esposa de um homem (Heinz) está morrendo. Há só um medicamento que pode salvá-la, mas é muito caro e o farmacêutico não o vende a preço baixo o suficiente para que o marido possa comprá-lo. Deve o homem roubar o medicamento para salvar a vida da esposa? Por quê?”
Quadro sintético dos níveis de desenvolvimento
NÍVEL UM : MORALIDADE PRÉ CONVENCIONAL Nesse primeiro nível de desenvolvimento, o julgamento moral da criança se baseia em critérios externos, como se ela vai ou não ser castigada. Os padrões de certo e errado parecem absolutos a essa criança, já que são dispostos por figuras de autoridade inquestionável: os pais.l
Estágio 1 (moralidade heterônoma) – orientação para obediência e castigo; a criança pequena não tem respeito pela autoridade, apenas reconhece que os pais são mais poderosos; a definição da criança do certo e o errado está vinculada à noção de que uma pessoa deve obedecer às ordens para que possa evitar punição.
Estágio 2 (trocas instrumentais) – orientação ingenuamente egoísta, individualista; as pessoas devem agir para atender às suas próprias necessidades e deixar que as outras façam o mesmo; “amor com amor se paga”
NÍVEL DOIS: MORALIDADE CONVENCIONAL Nesse nível de desenvolvimento, a base da criança para o raciocínio moral se transferiu das conseqüências do comportamento para as normas e expectativas do grupo. O grupo de referência pode ser a família, a nação ou os amigos na escola, mas o que o grupo define como certo é certo aos olhos da criança.
Estágio 3 ( relações interpessoais mútuas) – orientação do bom menino e boa menina; a criança se esforça para agradar e auxiliar os outros; existe a preocupação em ser uma boa pessoa ante os seus próprios olhos e os dos outros.
Estágio 4 ( sistema social) – orientação de manutenção da autoridade e ordem social; a moralidade é basicamente orientada, sob uma perspectiva social, para o cumprimento do dever, respeito pela autoridade e manutenção da própria ordem social.
NÍVEL TRÊS: PÓS CONVENCIONAL (PRECEITUAL) No nível mais alto do raciocínio moral o jovem (agora perto da fase adulta) reconhece a arbitrariedade de convenções e leis convencionais. Esse é o período em que se desenvolvem os próprios padrões pessoais de comportamento, que podem ou não conformar-se com os padrões dos outros.
Estágio 5 (contrastes sociais e direitos individuais) –orientação contratual legalista social; o certo e o errado são definidos a partir de leis e regras institucionalizadas;
Estágio 6 (princípios éticos universais) – orientação de consciência ou de princípios; a conduta é orientada por valores ideais internalizados;
Críticas à teoria Kohlbergiana
Há uma discordância entre os psicólogos sobre o quão universais são os estágios de desenvolvimento moral. Kohlberg argumentou que este sistema representa uma hierarquia de moralidade que é universal através da cultura. Os críticos respondem que toda a moralidade é culturalmente relativa e que é etnocêntrico argumentar que uma espécie de pensamento moral seja superior a outra. Os julgamentos preceituais que se opõem às leis de uma sociedade poderiam não ser considerados como a forma mais avançada de pensamento moral em uma outra cultura, ou em uma época diferente. Uma outra crítica reveladora é que Kohlberg subestima o conhecimento moral e a sensibilidade das crianças pequenas.
Numerosos investigadores discordam da asserção de Kohlberg de que as crianças mais novas baseiam os seus julgamentos morais apenas em recompensa, para evitarem punição e por deferência inquestionável à autoridade. Pelo contrário, de acordo com alguns, as crianças têm um entendimento mais profundo de moralidade do que são capazes de articular, uma competência moral intuitiva que se mostra pela maneira por que respondem a perguntas sobre regras morais e pela maneira por que se desculpam de suas transgressões e reagem às transgressões cometidas pelos outros.
Outra questão contraditória é o embate entre a moralidade e a convenção social. Turiel concluiu que o pensamento social-convencional e a moralidade são sistemas conceptuais distintos a partir de constatações em crianças pequenas que reconheciam questões morais ( princípios gerais relacionados à justiça, igualdade e bem estar dos outros) distintamente das convenções sociais (regras arbitrárias de conduta sancionadas por costume e tradição, como tipo de vestuário ou uso do primeiro nome ou títulos quando se dirigem às pessoas).
A obra de Kohlberg também é amplamente discutida e aplicada em educação cristã. Além disso, suas teorias tem as mais vastas implicações sociológicas, despertando um amplo campo de estudos gerador de muitas criticas, mas ao mesmo tempo de expansão da teoria do desenvolvimento moral.
Similaridades com outras teorias
Relação dos estágios Piaget – Kohlberg: (Richards, p.150, 1996)
Nível/Estágio | Nome | Idade aproximada | Estágio de Piaget exigido | ||
Nível 0 Estágio 0 – A Estágio 0 – B |
Período pré-moral Estágio amoral Estágio pré-moral de juízo egocêntrico |
até 4 anos até +ou– 6 anos |
subestágios sensório-motor e pré-conceitual subestágios pré-conceitual e intuitivo |
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Nível 1 Estágio 1 Estágio 2 |
Período de moralidade pré-convencional Orientação de castigo e obediência Orientação instrumental relativista | Não antes que 5 ou 6, provavelmente 7 – 8 desde 7 – 8 anos provavelmente 9 -10 |
Da intuição às primeiras operações concretas operações concretas |
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Nível 2 Estágio 3 Estágio 4 Estágio 4 1/2 |
Período de moralidade convencional Orientação de concordância interpessoal Orientação de Lei e Ordem (ou consciência) (estágio de relativismo ético cínico além do convencional, mas sem princípios próprios de moralidade). |
Desde 10 – 11 anos, provavelmente 11-12 desde 12 – 14 anos, provavelmente 14–16 desde 2º grau, provavelmente faculdade. |
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Nível 2 Estágio 3 Estágio 4 Estágio 4 1/2 Nível 3 Estágio 5 Estágio 6 |
Período pós-convencional, autônoma ou baseada em princípios próprios Orientação legalista de contrato social Orientação por princípios éticos universais | Depois de 20 anos, provavelmente 30 se for o caso após os 30 anos | Operações formais sub 3, respeito próprio estímulos e reflexos cognitivos de alto nível |
OBS.: Por quais os indivíduos passam até sua conclusão, comparando os seus estágios com os de Piaget, Kohlberg nega a existência de uma verdade ou moralidade “absoluta” em suas conclusões.
Base cognitiva do raciocínio moral:
Relação entre nível de raciocínio cognitivo e moral em meninas e estudantes universitárias: (gráfico figura 11-10, Bee & Mitchell, p. 289)
Nível Cognitivo
OBS: Parece haver alguma relação entre o nível geral de desenvolvimento cognitivo e o nível geral de raciocínio moral. Não obstante, muitos adultos que atingiram as operações formais ainda não mostram pensamento moral baseado em princípios. Pode-se dizer que o nível do raciocínio moral baseado em princípios efetivamente requer algumas capacidades cognitivas avançadas, mas a posse dessas capacidades por si só não basta para assegurar a existência de julgamentos morais baseados em princípios. A enquete apóia a idéia de relação entre a medida moral e a medida cognitiva.
Aplicabilidade da teoria Kohlbergiana na educação
A teoria de Lawrence Kohlberg sobre o desenvolvimento moral enfocada no sentido do julgamento moral tem aplicação efetiva no campo da educação. Lawrence O. Richards (1996) conclui que, para Kohlberg, o ensino moral não faz tanto a criança concentrar sua atenção na moralidade, nem a incute nela, mas a ajuda a crescer de um estágio de desenvolvimento moral para outro, no tempo certo. Logo, ajudamos as crianças incentivando-as a perguntar, experimentar e pensar (introduzindo desequilíbrio, por exemplo), quando elas estão prontas para mudar para um estágio superior, e criando um clima moral em que elas podem crescer. Desenvolvimento moral, então, como aprendizado, envolve não tanto o que transmitimos a outros, mas o que o ambiente os incentiva a descobrir à medida que as estruturas cognitivas se expandem e mudam.
Richards também ressalta a idéia de que, segundo a teoria do desenvolvimento moral, as crianças aprendem à medida que têm contato com seu ambiente físico e social, ajustando informações destes em uma idéia de realidade apropriada ao seu estágio de desenvolvimento. Kohlberg advertiu que resultados de pesquisas revelaram que o julgamento moral e a capacidade de raciocínio moral desenvolvem-se em uma seqüência invariável através dos períodos de vida, que não está terminado nos primeiros anos da infância e que este desenvolvimento pode ser estimulado através de um programa específico