O Sociólogo polonês Zigmund Bauman, propôs em Vida para Consumo (2008) que a sociedade contemporânea vive um modelo de relação fetichista, centrada na realização do prazer imediato, a qual ele chamou de líquida, já que nela, o individuo tende a viver sobre a ditadura da realização do prazeres, mesmo que de forma efêmera o prazer deve ser atendido. Assim, o princípio da realidade que tende a estabelecer as condições da realização desse prazer faz do própria prazer sua condição de realização.
No sentido prático Bauman (2008, p. 22-23) esclarece que em uma sociedade de consumidores, tornar-se uma mercadoria desejável e desejada é condição essencial dinâmica da vida contemporânea. O sociólogo polonês destaca também que a subjetividade é feita opção de compra legitimamente assumida e consciente de que os desejos interiores do self nada mais são que metas para a materialização na vida cotidiana, essas metas podem ser compradas, fabricadas em formas de imagens ou projetadas em relatos de redes sociais e streamings de vídeos. (BAUMAN, 2008, p. 23-25).
Observa-se que na leitura de Bauman o princípio da realidade e do prazer (conforme Freud descreve) vem se objetificar em alguma forma de comportamento fetichista e narcisista. Fetichista, pois, o prazer ganha forma de objetos, desperta a libido, assim, o sujeito quer a realização do prazer por intermédio do objeto. Narcisista, uma vez que na dinâmica social, ou seja; na interação entre os seres humanos com ou outros e o mundo material, este individuo tem como prática a autocontemplação e admiração. As redes sociais, os aplicativos de comunicação que esbanjam recursos imagéticos, tais como emojis e anexos de vídeos e fotos.
Quase toda a forma de interação passa pela imagem que atua como objeto de sedução, que em primeira instância, deve ser passiva de admiração por aquele/a que se faz presente em sua composição. A popularização do estilo Self, nada mais é que a confissão de um modelo narcisista de viver cada momento.
Outro ponto interessante que vem sendo estudado é o desfecho da história de Eco e Narciso descrito pelo poeta grego Pausânias. Ele declara que por tanto contemplar a própria face, Narciso se desconectou de tudo a seu redor para viver de autocontemplação, o que o levou a morte.
SEXUALIDADE FLUIDA
Em Mal-estar da Civilização (FREUD, 1930) a sociedade (sua atitude libidinal) tende a passar por três estágios: a aquisição da identidade, a sublimação que invoca a energia libidinal para outras tarefas e a renuncia dos instintos. O que parece interessante é a relação destes três movimentos no que se refere ao comportamento sexual. Tal como apontado por David Hawkins “A presença de homossexualidade não parece ser uma questão de escolha; sua expressão é uma questão de escolha”. Desta maneira o individua deve superar as normas morais que reprimem sua libido e caminhar em direção a uma sexualidade com menos amarras, para além da sexualidade binária.
Conforme Freud, o processe de identidade ocorre dentro do período edipiano, pois é nesse período que a criança “aprende” a desejar sexo oposto, a lidar com a relação amor/ódio e a vivenciar conflitos advindos das demandas morais do ambiente onde vive. Fica claro que para Freud há uma relação de dependência entre a construção da identidade e forma como a sociedade vive suas relações, seus laços sua moralidade.
Bauman em sua obra Amor Liquido (2010) recorre a fala de Anthony Giddens, a fim de explicitar de que maneira a relação (individuo/sociedade) apontada por Freud se encontra na pratica social: O “relacionamento puro” tende a ser, nos dias de hoje, a forma predominante de convívio humano, na qual se entra “pelo que cada um pode ganhar” e se “continua apenas enquanto ambas as partes imaginem que estão proporcionando a cada uma satisfações suficientes para permanecerem na relação” (BAUMAN, p. 50, 2010).
A sociedade liquida é a manifestação social de uma sexualidade mais fluida e polimorfa, um modelo que se desfaz dos laços morais daquilo que Bauman chama de sólido. A solidez vem modelo moderno iluminista, no qual as normas sociais (moralidade) determinam um conceito uma forma bem delineada de viver um relacionamento, tal como: a família, namoro, amor, amizade, etc. Em fim, o formato que obriga homens em mulheres a permanecerem unidos em nome de um compromisso chamado de matrimonio. Toda essa dinâmica, agora, na pós-modernidade se desfaz, torna-se líquida, sem forma definida, assim, há uma diminuição da tensão que corresponde ao desprazer, que nesse caso estaria relacionado com obrigações postas pela necessidade de se manter os laços que (família, casamento e compromissos em nome da moralidade) em uma sociedade líquida são frágeis e efêmeros.
À primeira análise, se conforme Freud, o psiquismo humano busca o prazer em detrimento do desprazer, a forma de relacionamento leve, sem compromissos morais a longo prazo, pode ser, de certa forma, uma possibilidade de viver as relações humanas de forma mais leve, contudo, cabe questionar: o que acontece quando essa tensão de busca por prazer diminui, ou seja, quando o prazer (relacionamento afetivo sexual) se banaliza?
A banalização como forma de viver a sexualidade líquida, é vive-la de maneira fragmentada, só enquanto houver desejo. Uma vez que a ordem da vida é regida pelo Eros, no modelo líquido, esse Eros é supervalorizado, assim, o psiquismo produziria sofrimento quando não houvesse prazer sendo vivenciado.
Segundo Bauman (1998, cap. 10), estamos vivendo um reordenamento das relações humanas, aquilo que o autor chama de “redistribuição pós-moderna do sexo”, nela o sujeito vem tentando remover aquilo que lhe trazia insatisfação, ao menos quanto se trata do amor romântico que na modernidade implicava em renuncias, abnegação e negociação. O amor agora é um projeto de vida hedonista.
Já Freud, em O futuro de uma ilusão (p. 21, 1997) destaca:
Pensar-se-ia ser possível um reordenamento das relações humanas, que removeria as fontes de insatisfação para com a civilização pela renúncia à coerção e a repressão dos instintos, de sorte que, imperturbados pela discórdia interna, os homens pudessem dedicar-se à aquisição da riqueza e à sua fruição.
Em suma, vale ressaltar que Freud e Bauman concordam que na equação para a felicidade humana está o prazer, as relações sociais humanas e a construção moral. A cultura surge como limitadora da felicidade, aquela que lança as regras para convivência afetiva (gera um mal-estar). Bauman(1998, p.183), por sua vez, declarou em Mal-estar da pós-modernidade que no curso da primeira revolução sexual, o sexo converteu-se num maior material de construção das estruturas sociais duráveis e das extensões capilares do sistema global de construção da ordem, hoje o sexo serve, antes e acima de tudo, ao processo da atomização.
Referências Bibliográficas:
JUSTO, José Sterza. O “ficar” na adolescência e paradigmas de relacionamento amoroso da contemporaneidade. Rev. Dep. Psicol.,UFF, Niterói , v. 17, n. 1, p. 61-77, Junho de 2005 . Em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-80232005000100005&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 23 Julho 2019. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-80232005000100005.
FREUD, Sigmund. O futuro de uma ilusão. Trad. José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1997.
BAUMAN, Z. Mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
BAUMAN, Z. Vida para consumo. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
BAUMAN, Z. Amor Líquido. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.