A canção The Logical Song, composta por Roger Hodgson e gravada pela banda Supertramp, retrata a crise da modernidade: um sujeito que, ao amadurecer, sente-se reduzido a uma máquina funcional, moldado pela lógica social e esvaziado de profundidade espiritual. O eu lírico descreve o processo de formação social e educacional que, em vez de libertar, aprisiona.
Esse lamento conecta-se a grandes questões filosóficas e teológicas: a angústia existencial de Kierkegaard, o niilismo de Nietzsche, a crítica de Bonhoeffer à religião sem Cristo, a defesa da revelação de Barth, a análise cultural de Schaeffer e a visão de C. S. Lewis sobre a saudade do eterno.
A Lógica e a Redução do Humano
A canção narra a experiência de um jovem sensível, educado para ser “responsável, prático e racional”, mas que, ao final, sente-se perdido e vazio. Aqui vemos a denúncia de que a formação moderna reduz o humano à funcionalidade, esvaziada de sentido espiritual.
Karl Barth (2008) diria que isso é fruto da religião transformada em moralidade cultural. Para ele, apenas a revelação de Deus em Cristo pode quebrar o ciclo da lógica fria e devolver ao homem sua verdadeira humanidade: “A verdadeira religião é a graça que vem de Deus, e não a construção humana”.
Bonhoeffer, em Discipulado (2009), reforça: “Quando Cristo chama um homem, ele o chama para vir e morrer”. Morrer aqui é negar a lógica do mundo que deseja formatar o homem apenas como engrenagem social.
Angústia, Desespero e o Clamor da Fé
Søren Kierkegaard descreve a angústia como o “tonturar da liberdade”, a vertigem diante da possibilidade de existir diante de Deus. Em O Desespero Humano, afirma que o homem, ao tentar fundamentar-se em si mesmo, cai no desespero, pois sua essência é ser criatura.
Na canção, o eu lírico expressa exatamente esse desespero existencial: formado para a lógica, mas carente de sentido. O grito implícito é pela fé genuína em Cristo, pois, como Kierkegaard coloca em O Conceito de Angústia, apenas na fé o homem encontra repouso para sua existência fragmentada.
Jesus, no Sermão do Monte, já apontava esse caminho: “De que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?” (Mt 16.26).
O Mundo como Vontade e Representação
Schopenhauer via o mundo como vontade cega e irracional, que reduz o homem à eterna insatisfação. Já Nietzsche, em sua crítica, anuncia a “morte de Deus” e a necessidade da vontade de poder para suportar o vazio do niilismo.
Na lógica da canção, percebemos esse niilismo moderno: o homem educado para o sucesso, mas sem alma. Contudo, Nietzsche acreditava que, diante da ausência de Deus, caberia ao homem criar seus próprios valores. Já a fé cristã aponta outro horizonte: não criar sentido, mas receber sentido do Criador.
O pregador de Eclesiastes já havia antecipado o diagnóstico niilista: “Vaidade de vaidades, tudo é vaidade” (Ec 1.2). Mas também ofereceu um caminho: “Lembra-te do teu Criador nos dias da tua mocidade” (Ec 12.1).
A Saudade do Eterno em C. S. Lewis
C. S. Lewis afirmava que todo desejo humano aponta para uma realidade maior: “Se encontro em mim desejos que nada neste mundo pode satisfazer, a explicação mais provável é que fui feito para outro mundo” (Cristianismo Puro e Simples, 2002).
A saudade da transcendência é ecoada em The Logical Song: o eu lírico busca algo que a lógica e a funcionalidade não podem oferecer. Essa busca é, em termos cristãos, a fome e sede de justiça (Mt 5.6).
Dostoiévski, Tolstói e a Literatura do Abismo
O paradigma existencial encontra eco também nos clássicos da literatura, que desvelam a insuficiência de uma vida orientada apenas pelo sentido prático e lógico.
Dostoiévski, em Os Irmãos Karamázov, sintetiza esse dilema ao afirmar: “Se Deus não existe, tudo é permitido”. A sentença ilumina a mensagem da canção, pois sem Deus restam apenas lógica e utilitarismo, incapazes de oferecer um sentido último à existência.
De modo semelhante, em Confissão, Tolstói relata sua crise pessoal: cercado de glória e sucesso, percebeu que sua vida era vazia. Só encontrou sentido na simplicidade da fé.
Ambos, Dostoiévski e Tolstói, ainda que por caminhos distintos, convergem na mesma direção: a razão e a lógica humanas não bastam para sustentar o peso da vida. O homem carece de algo maior — a fé viva em Cristo — que não apenas responde à pergunta pelo sentido, mas reconcilia o ser humano com a fonte da própria existência.
Diga-me quem sou eu
Um dos versos mais marcantes de The Logical Song é o lamento: “Please tell me who I am” (“Por favor, diga-me quem sou eu”). Aqui, o eu lírico exprime não apenas uma dúvida passageira, mas aquilo que Lacan chamaria de falta-a-ser (manque à être) – um vazio estrutural que habita o sujeito e o impele a perguntar incessantemente sobre sua identidade.
Apesar da educação, da inserção social e do cumprimento das funções práticas exigidas pelo mundo moderno, o sujeito descobre que não possui uma resposta definitiva à questão do “eu”. Essa incompletude não se reduz a uma simples carência – como fome ou ausência de afeto – mas revela uma falta ontológica: a impossibilidade de alcançar uma identidade plena a partir de si mesmo. A lógica, a razão e a moralidade não conseguem oferecer uma resposta à altura do anseio existencial.

É precisamente nesse ponto que a teologia reformada lança luz sobre o dilema humano. Agostinho, declara o clamor do coração inquieto, já dizia: “Fizeste-nos para Ti, e inquieto está o nosso coração enquanto não repousa em Ti”.
Da mesma forma, Barth lembra que somente a revelação de Deus em Cristo responde à pergunta sobre quem realmente somos, pois a identidade humana não se funda em nossas conquistas, mas no chamado divino: “Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim” (Gl 2.20). Assim, o grito do eu lírico encontra eco na Escritura e na psicanálise: somos seres de falta, mas uma falta que aponta para o desejo último de sermos encontrados e nomeados por Deus.
Considerações Finais
The Logical Song é mais que uma crítica à educação moderna: é um grito existencial. O homem, moldado pela lógica, descobre-se vazio e desesperado. A filosofia mostra o abismo da angústia e do niilismo; a teologia reformada anuncia a graça que resgata.
Jesus disse no Sermão do Monte: “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus” (Mt 5.8). O caminho não está em negar a humanidade ou em fabricar sentidos, mas em voltar-se para Cristo, o Logos encarnado, no qual razão e existência encontram reconciliação.
Assim, a canção, em seu lamento, se torna profecia: revela que a lógica sem Deus é prisão, mas que o clamor humano só se sacia na liberdade do Evangelho.
Referências
A BÍBLIA. Tradução Almeida Revista e Atualizada. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.
BARTH, Karl. Dogmática eclesiástica. São Leopoldo: Sinodal, 2008.
BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado. São Leopoldo: Sinodal, 2009.
DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Os irmãos Karamázov. São Paulo: Editora 34, 2008.
KIERKEGAARD, Søren. O desespero humano: a doença para a morte. São Paulo: Unesp, 2010.
LEWIS, C. S. Cristianismo puro e simples. São Paulo: Vida, 2002.
NIETZSCHE, Friedrich. A gaia ciência. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
SCHAEFFER, Francis. O Deus que intervém. São Paulo: Cultura Cristã, 2002.
SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e representação. São Paulo: Unesp, 2005.
TOLSTÓI, Lev. Confissão. São Paulo: Martin Claret, 2006.