Por que o mal existe se Deus é bom?

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 Se Deus criou todas as coisas, e se o mal existe, não é correto afirmar eu Ele também criou o mal? Se Deus é amor e infinito em misericórdia, como poderia tê-lo criado? Se isso é assim, não seria o próprio Deus a fonte dos nossos males? O culpado da nossa desgraça?

A existência do mal de fato suscita um dos maiores questionamentos contra a fé cristã, seja por parte dos opositores intelectuais, dos adeptos de religiões não-cristãs ou dos escarnecedores. O nosso objetivo, nesta matéria, que visa aprofundar o debate sobre o tema, é apresentar argumentos teológicos e apologéticos suficientemente fortes e razoáveis, baseados na Palavra de Deus. Não temos conhecimento pleno sobre muitas questões, mas Deus também não nos deixou totalmente no escuro quanto às grandes perguntas que permeiam a nossa vida. Sua Palavra, como sempre, é a luz para o nosso caminho e, como afirmou o sábio Salomão, grande pensador, sobre a vida humana: “… A vereda dos justos é como a luz da aurora, que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito” (Pv 4.18).

Um grande desafio

 

Talvez o desafio mais profundo e incômodo que os crentes enfrentam sobre a fé venha a forma de uma pergunta: “Se Deus é realmente bom, por que o mal existe?”. O sofrimento e a maldade que vivenciamos em nosso meio parecem gritar contra a existência de Deus, ao menos de um Deus benevolente e Todo-Poderoso. Muitos acreditam que este seja o problema mais difícil que os apologistas enfrentam, não somente por causa da aparente contradição do ponto de vista cristão, mas também por causa da perplexidade pessoal que qualquer ser humano sensível sentirá diante da terrível miséria e perversidade no mundo. A desumanidade do homem para com seu semelhante é notória em todas as épocas passadas e em todas as nações do mundo. Há uma longa história de opressão, indignidade, crueldade, tortura e tirania. Além disso, há tanta dor e sofrimento aparentemente desnecessários, defeitos de nascença, parasitas, ataques violentos de animais, mutações radioativas, doenças debilitáveis e fatais, fome, terrorismo, ferimentos que deixam pessoas inválidas, furacões, terremotos e outros desastres naturais.

Quando o descrente contempla este infeliz “vale de lágrimas”, sente que há uma forte razão para duvidar da bondade de Deus. Por que deveria haver tamanha miséria? Por que a riqueza deve-ria ser distribuída de forma aparente-mente tão injusta? Você permitiria isso se fosse Deus e tivesse em suas mãos o domínio para impedir esses males?

 

Levando o mal a sério

De fato, é importante que o cristão reconheça a realidade do mundo e também que a questão do mal não é simplesmente um jogo de discussões; ou seja, uma forma de ver a vida de maneira não ou menos justa. O mal é real. O mal é horrível. Somente quando ficamos intelectual e emocionalmente sensíveis a respeito da existência do mal podemos avaliar a profundidade do problema que os descrentes enfrentam em relação à visão cristã de mundo, mas, do mesmo modo, percebemos por que o problema do mal acaba confirmando este ponto de vista cristão, ao invés de enfraquecê-lo.

Quando falamos sobre o mal com os descrentes, é crucial que ambos os lados “falem sério”. O mal deve ser levado a sério como “mal”. Uma passagem muito conhecida da obra clássica Os irmãos Karamazóvi, do novelista russo Fyodor Dostoyevsky, mexe com as nossas emoções de uma forma que parece nos persuadir e nos torna convictos sobre a maldade dos homens, como, por exemplo, os homens cruéis com criancinhas. Em certo momento, sua obra narra uma queixa do personagem Ivan ao seu irmão, Aliósha, sobre a crueldade e a injustiça promovidas pelos homens. Ivan declara que nem mesmo os animais selvagens conseguem atingir a decadência que, às vezes, se observa no comportamento de alguns homens. Exemplifica sua reclamação com o caso de uma menina russa de apenas cinco anos maltratada por seus pais. Eles açoitavam-na constantemente e, por conta disso, seu peque-no e frágil corpo estava sempre coberto de feridas. Dramatizando um pouco mais o exemplo, Ivan conta que, em algumas noites geladas da Rússia, os pais da menina trancavam-na no banheiro e amarravam-na na privada simplesmente porque ela, às vezes, molhava o colchão durante a noite, algo normal em crianças de sua idade. Por conta disso, sua mãe esfregava-lhe os próprios excrementos na cara e a obrigava a comê-los. E fazia isso sem nenhum remorso. Por fim, Ivan convida Aliósha a imaginar as lágrimas e o sofrimento daquela inocente criança e lhe pergunta: “Se o destino da humanidade estivesse em suas mãos, e se para proporcionar felicidade ao mundo você tivesse de permitir a tortura de uma criança, você consentiria isso?1

Incidentes como este poderiam ser multiplicados por muitas e muitas vezes. Eles produzem indignação moral dentro de nós, e dos descrentes também. Estes fatos são inegáveis para qualquer pessoa, independentemente da sua confissão religiosa.

Uma vez, quando estava fazendo um programa de rádio com a participação dos ouvintes por telefone, um deles ficou muito irritado quando eu disse que deveríamos louvar e adorar a Deus. O ouvinte queria saber como alguém conseguia adorar um Deus que permitiu o abuso sexual e a mutilação de um bebê, atrocidades que ele próprio (o ouvinte) havia testemunhado em algumas fotografias apresentadas durante a audiência de julgamento de um pedófilo. A descrição era repugnante e, certamente, suscitou revolta em todos que tiveram o desprazer de ouvi-la. Eu sabia que o ouvinte queria pressionar sua hostilidade contra o cristianismo sobre mim, mas, na realidade, fiquei feliz por ele ficar tão irritado. Em verdade, ele estava “levando o mal a sério”. A sua condenação ao abuso sexual infantil não era simplesmente uma questão de preferência pessoal. Por esta razão, percebi que não seria difícil mostrar por que o problema do mal, na realidade, não é um problema para o crente, mas, ao invés disso, para o descrente. Explicaremos isso mais detalhadamente depois.

O mal como um problema lógico

 

O “problema” do mal nunca foi propriamente compreendido por muitos apologistas cristãos que, algumas vezes, menosprezam a dificuldade dos céticos ao cristianismo quando compreendem o problema do mal como sendo apenas uma demonstração colérica contrária à suposta bondade de Deus. De qualquer maneira, é assim que os crentes professam a bondade de Deus. Mas os descrentes vêm com os seus exemplos contrários a isso. Quem apresenta os melhores argumentos dos fatos ao nosso redor? O problema é apresentado (imprecisamente) como uma questão de quem possui vidências mais fortes do seu lado acerca daquilo que estão discordando. É como uma brincadeira de “cabo-de-guerra”.

Este tipo de colocação subestima seriamente a natureza do problema do mal. Não é simplesmente uma questão de pesar as provas positivas contra as provas negativas da bondade de Deus no mundo ou em seu plano divino (ou seja, a redenção, etc.). O problema do mal é um desafio muito mais sério para a fé cristã.

O problema do mal se soma às acusações de que há uma “provável incoerência” no ponto de vista cristão, sem levar em consideração a quantidade de maldade que existe no Universo comparada à quantidade de bondade que pode ser encontrada. Se o cristianismo é logicamente incoerente, nenhuma prova positiva e factual pode salvar a sua veracidade. A inconsistência interna, por si só, tornaria a fé cristã intelectualmente inaceitável, mesmo concedendo que possa haver uma grande quantidade de indicadores ou provas em nossa experiência para a existência da bondade ou de Deus.

O filósofo escocês do século 18, David Hume, expressou o problema do mal mediante uma maneira forte e desafiadora. Declara: “Se Deus quer evitar o mal, mas não é capaz disso, então Ele é impotente. Se Ele é capaz, mas não quer evitá-lo, então Ele é malévolo. Se ele é capaz de evitá-lo e quer evitá-lo, como se explica o mal?”.2 O que Hume estava argumentando é que o cristão não pode, de forma lógica, aceitar estas três premissas: Deus é onipotente, Deus é benevolente, e, no entanto, o mal existe no mundo. Se Deus é Todo-Poderoso, então deve ser capaz de evitar ou remover o mal, se desejar. Se Deus é benevolente, então certamente deseja evitar ou remover o mal. Todavia, é inegável que o mal existe.

Em seu livro, Atheism: the case against God [Ateísmo: o caso contra Deus]: George Smith declara o problema do mal da seguinte maneira: “Resumidamente, o problema do mal é este: Se Deus sabe que o mal existe, mas não pode evitá-lo, Ele não possui todo o poder. Se Deus sabe que o mal existe e pode evitá-lo, mas não deseja fazê-lo, Ele não é benevolente”.3 Smith acha que os cristãos não podem, de forma lógica, crer nas premissas: Deus é completamente bom, bem como completa-mente poderoso.

Então, a acusação que os descrentes fazem é que a doutrina cristã é incoerente porque adota declarações inconsistentes umas com as outras, devido à maldade que paira neste mundo. O descrente argumenta que mesmo que tivesse de aceitar as afirmações da teologia cristã, sem levar em consideração a prova individualmente favorável ou contrária à sua opinião, “essas premissas não se admitem entre si”. O desafio do cristianismo é interno e até mesmo o crente deve reconhecer, contanto que ele, de forma realista, admita a presença do mal no mundo. Este mal, acredita-se, é incompatível com a bondade de Deus ou com o seu poder.

Para quem o mal é logicamente um problema?

Deveria ficar óbvio, quando refletimos, que pode não haver um “problema do mal” para pressionar os cristãos, a menos que alguém possa legitimamente afirmar a existência do mal neste mundo. Não há, nem mesmo aparentemente, um problema lógico, contanto que tenhamos somente estas duas declarações para lidarmos:

  • Deus é completamente bom
  • Deus é completamente poderoso

Estas duas premissas, por si só, não criam qualquer contradição. O problema aparece somente quando acrescentamos a terceira premissa: O mal existe (acontece)

Conseqüentemente, é decisivo para a argumentação dos descrentes contra o cristianismo afirmar que existe mal no mundo. Para eles, é crucial apontar para alguma coisa, algum acontecimento, e ter o direito de avaliá-lo como um exemplo da ocorrência do mal, pois se fosse o caso de não existir nem acontecer nenhum mal, isso significaria que aquilo que as pessoas inicialmente acreditam ser mal, na realidade, não seria, e, então, não haveria nada inconsistente com a teologia cristã que exija uma resposta.

Neste ínterim, surgem novas questões relevantes:

O que o descrente quer dizer com o “bem” ou, baseado em qual fundamento, ele determina o que considera ser o “bem”, para que o “mal” seja conseqüentemente definido ou identificado?

Quais são as bases pelas quais o descrente faz seu julgamento moral?

Talvez, o não-crente tenha o “bem” como qualquer coisa que seja unânime pela aprovação pública, geral; ou seja, o “bem” é aquilo que a maioria aprova como “bem”. Contudo, o fato de um grande número de pessoas sentir-se de uma forma não convence, ou ao menos, racionalmente, não deveria convencer ninguém de que seu sentimento a respeito da bondade ou malignidade de alguma coisa é correto. Afinal, a estatística não é, em si mesma, uma ferra-menta eficaz para julgar o que de fato é “bem” ou o que de fato é “mal”.

Geralmente, as pessoas pensam na bondade de alguma coisa referindo-se às suas aprovações ¾ ao invés de suas aprovações constituírem a sua bondade! Ou seja, as pessoas pensam que algo é bom porque tem aprovação, quando, na verdade, o correto seria entender que algo tem aprovação porque é bom. Além disso, a intuição em si não pode ser uma base para entendermos que as nossas conclusões estão corretas. Veja como isso é subjetivo: não temos somente de intuir (pressentir) a bondade da caridade, mas também somos levados a intuir (pressentir) que esta intuição é verdadeira! É a intuição na intuição! Mas temos de considerar que nem todas as pessoas, ou culturas, possuem intuições idênticas sobre o bem e o mal. Estas intuições conflitantes não podem ser resolvidas de forma racional dentro da visão não-crente de mundo.

O descrente leva o mal a sério?

Os descrentes afirmam que simples casos da experiência humana são incoerentes com as crenças teológicas do cristianismo sobre a bondade e o poder de Deus. Tal acusação requer que o cético afirme a existência do mal neste mundo. Contudo, o que tem sido pressuposto aqui?

Ambos, crente e descrente, vão querer insistir que certas coisas são más. Por exemplo, em casos como o de abuso sexual infantil (como aqueles já mencionados). E conversarão como se levassem tais julgamentos morais a sério, não como expressão de gosto, preferência pessoal ou opinião subjetiva, simplesmente. Insistirão que tais coisas são verdadeira-mente concretas e basicamente más. Até mesmo os descrentes podem ser chacoalhados em face de atrocidades morais como guerras, estupros e torturas.

Mas a questão, logicamente falando, é como é possível o descrente ser coerente consigo mesmo ao levar o mal a sério, não simplesmente como algo inconveniente, desagradável e contrário aos seus desejos. Qual filosofia de valor ou moralidade o descrente pode oferecer que fará disso algo significativo para condenar qualquer atrocidade como concreta-mente má? Onde o descrente busca base para isso? “Qual é a fonte em que ele bebe?”.

O fato é que o descrente tente excluir Deus deste debate a todo custo. Mas será que efetivamente consegue? A indignação moral expressa pelos descrentes, quando se deparam com as coisas más que se espalham neste mundo, não são compatíveis com as teorias de ética que eles mesmos sustentam. No fundo, são teorias que provam ser arbitrárias (pessoais) ou subjetivas (individuais) ou meramente tendenciosas em seu caráter. Na visão descrente de mundo não há nenhuma boa razão para dizer que qualquer coisa seja má na natureza, mas o descrente só pode chegar á conclusão de que algo é mau por sua própria escolha ou sentimento pessoal.

É por isso que me sinto encorajado quando vejo descrentes indignados com algumas ações más como uma questão de princípios. Para fazer sentido filosófico, tal indignação, na realidade, aponta para o absoluto, o imutável e bom caráter de Deus. A ex-pressão de indignação moral é uma prova pessoal de que os descrentes conhecem este Deus no mais íntimo de seus corações, mesmo que neguem isso! Eles se recusam a deixar que julgamentos sobre o mal se reduzam a uma simples questão subjetiva; isto é, em uma questão individual, pessoal ou particular. Quando o descrente brada contra tudo isso, ele está, na realidade, reconhecendo a existência de Deus.

Quando o crente desafia o descrente neste ponto, o descrente geralmente desconversa e tenta discutir, dizendo que o mal está, no final das contas, baseado no raciocínio ou nas escolhas humanas, embora seja algo relacionado ao indivíduo ou à cultura. E, neste ponto, o crente deve jogar a incoerência lógica de volta para dentro do quadro de crenças do cético.

Por um lado, o descrente acredita e fala como se algum ato, como o abuso sexual infantil, por exemplo, fosse errado em si, mas, por outro lado, acre-dita e fala como se este ato fosse errado somente se o indivíduo, ou cultura, escolhesse algum valor que fosse incoerente com ele. Quando o descrente declara que as pessoas determinam os valores éticos para si mesmas, está afirmando, em outras palavras, que aqueles que cometem o mal não estão, na realidade, fazendo nada de errado, pois foram estes os valores que escolheram para si.

O que achamos, então, é que o cético deve secretamente contar com a visão cristã de mundo para que o seu argumento da existência do mal faça sentido! Ele condena a visão cristã de mundo, mas usa elementos dela para atacá-la.

O problema do mal é, assim, um problema lógico para o descrente, ao invés de sê-lo para o crente. Por quê? Porque, como cristãos, conseguimos perfeitamente dar sentido às questões morais que nos incomodam. O descrente, não. Isso não significa que consigo explicar os caminhos e propósitos de Deus ao permitir a miséria e a maldade neste mundo. Isso simplesmente significa que o escândalo moral é coerente com a visão cristã de mundo, com suas pressuposições básicas sobre a realidade, com seu conhecimento e ética. O crente não vive em contradição com tudo isso. Assim, o problema do mal é precisamente um problema filosófico para a incredulidade. Os descrentes precisariam apelar para aquilo que eles mais se opõem em discussão para que seus argumentos sejam justificados: um senso de ética divino, transcendente. Em suma, eles dependem de Deus para embasar seus argumentos.

 

Resolvendo uma suposta contradição

Neste ponto, o descrente pode afirmar que mesmo que ele não consiga explicar de forma significativa, ou decifrar a visão que o mal verdadeiramente existe, todavia, ainda resta uma contradição dentro do quadro de crenças do cristianismo. Nestes termos, o descrente admite sua derrota, mas lança em rosto que os cristãos também não têm a solução. Porém, dados os seus compromissos e filosofias básicas, o cristão certamente pode e declara que o mal é real, e mesmo assim o cristão acredita em coisas a respeito do caráter de Deus, que juntas, parecem incompatíveis com a existência do mal. O descrente pode argumentar que o cristão ainda está, nos termos propriamente cristãos, preso a uma posição por manter as três proposições que seguem:

  • 1. Deus é totalmente bom
  • 2. Deus é Todo-Poderoso
  • 3. O mal existe

De qualquer forma, a crítica aqui não percebe uma forma perfeitamente razoável para concordar com todas essas três proposições.

Se o cristão pressupõe que Deus é perfeito e completamente bom, como as Escrituras requerem que sejamos, então ele (o cristão) está comprometido em avaliar tudo dentro de sua experiência à luz dessa proposição. Conseqüentemente, quando o cristão observa os acontecimentos maus ou as coisas no mundo, ele pode e deve-ria conservar a coerência com suas pressuposições a respeito da bondade de Deus, mas agora inferindo que Deus tem uma razão moral-mente boa para o mal existir. Deus deve ser Todo-Poderoso para ser Deus; não se deve tê-lo como derrotado ou frustrado pelo mal no Universo. A contradição aparentemente criada pelas três proposições anteriores é real-mente resolvida ao acrescentarmos esta quarta premissa às demais:

  • 4. Deus possui uma razão moral e suficientemente boa para a existência do mal

Quando todas as quatro premissas são mantidas, não há nenhuma contradição lógica a ser encontrada. Na realidade, faz parte da caminhada de fé do cristão e de crescimento na santificação a declaração da quarta proposta como uma conclusão contundente das três outras.

Lembre-se de Abraão, quando Deus o ordenou a sacrificar seu único filho. Pense em Jó, quando perdeu tudo o que trazia felicidade e prazer à sua vida. Em cada caso, Deus teve uma razão perfeitamente boa para a miséria humana envolvida. Era uma marca ou uma realização de fé para eles não estremecerem em suas convicções da bondade de Deus, apesar de não serem capazes de ver ou entender por que o Senhor estava fazendo o que fez com eles. De fato, mesmo no caso do maior crime de toda a história, a crucificação do

Senhor da Glória (Jesus), o cristão professa que a bondade de Deus não era incoerente com o que as mãos dos homens sem-lei estavam fazendo. A morte de Cristo foi maligna?

Certamente. Deus teve uma razão moralmente suficiente para fazê-lo? Certamente. Com Abraão, nós declaramos: “Não fará justiça o Juiz de toda a terra?” (Gn 18.25). E esta justiça e bondade de Deus ficam além dos desafios humanos: “Seja Deus verdadeiro, e mentiroso, todo homem” (Rm 3.4).

O problema não é lógico, mas psicológico

Conclui-se que o problema do mal não é uma dificuldade lógica, afinal de contas. Se Deus tem uma razão moral suficiente para o mal existir, como a Bíblia ensina, então, que a sua bondade e o seu poder não podem ser contestados pela realidade de acontecimentos malignos e coisas semelhantes na experiência humana. O único problema lógico que aparece, relacionado às discussões sobre o mal, é a incapacidade filosófica do descrente de prestar contas à objetividade de seus julga-mentos morais.

O problema que os homens têm com Deus, quando ficam face a face com o mal no mundo, não é de ordem lógica ou filosófica, mas psicológica. Podemos achar emocional-mente muito difícil ter fé em Deus e confiar em sua bondade e poder quando não nos é dada uma razão para as coisas ruins que acontecem conosco e com os outros. Natural-mente, pensamos: “Por que algo tão terrível aconteceu?”. Os descrentes também imploram dentro de si por uma resposta para tal pergunta. Mas Deus nem sempre provê uma explicação para os seres humanos acerca do mal que experimentam ou observam.

“As coisas encobertas pertencem ao SENHOR, nosso Deus” (Dt 29.29). Podemos não ser capazes de entender o jeito e os misteriosos caminhos de Deus, até mesmo se Ele próprio nos dissesse (Cf. Is 55.9). Todavia, o fato continua apontando a miséria, o sofrimento e a injustiça como parte de seu plano para a história e para as nossas vidas, individualmente.

Assim, a Bíblia nos pede que confiemos que Deus possui uma razão moralmente suficiente para o mal que pode ser encontrado neste mundo, mas ela não nos diz que razão suficiente é esta. O crente, muitas vezes, luta com esta situação, andando por fé, não por vista. O descrente, contudo, acha esta situação intolerável para o seu orgulho, seus sentimentos e racionalidade. E se recusa a confiar em Deus. De forma alguma, acreditará que Deus tem uma razão moralmente suficiente para a existência do mal, a menos que lhe seja dada uma razão para a sua própria análise e avaliação. Resumindo, o descrente não confiará em Deus, a menos que Deus se sujeite à sua autoridade intelectual e à sua avaliação moral, a menos que Deus consinta em trocar de lugar com o pecador.

O descrente faz parte do problema do mal

O problema do mal segue com a seguinte questão: se uma pessoa deveria ter fé em Deus e em sua Palavra ou preferir colocar sua fé em seus próprios pensamentos e valores. Finalmente, isto se torna uma questão de autoridade na vida de uma pessoa. E, neste sentido, a maneira que o descrente luta contra o problema do mal é, contudo, um testemunho contínuo da maneira pela qual o mal entrou na humanidade. A Bíblia mostra que o pecado e todas as misérias que o acompanham entraram neste mundo por meio da primeira transgressão de Adão e Eva. E a questão com que Adão e Eva foram confrontados, há muito tempo, era precisa-mente a questão que os descrentes enfrentam hoje; ou seja, deveríamos ter fé na Palavra de Deus simplesmente, naquilo que Ele diz, ou deveríamos avaliar o próprio Deus e a sua Palavra baseados em nossa própria autoridade moral e intelectual?

Deus ordenou a Adão e Eva que não comessem de certa árvore, testando-os para ver se eles tentariam definir o bem e o mal por si só. Satanás veio e contestou a bondade e a honestidade de Deus, sugerindo que Deus tinha motivos básicos para manter Adão e Eva longe dos prazeres da árvore. E, neste ponto, todo o percurso da história humana dependia da possibilidade de Adão e Eva confiarem e pressuporem a bondade de Deus. Uma vez que não o fizeram, a raça humana tem sido visitada por muitos tormentos, dolorosos demais para se relatar. Quando os descrentes se recusam a aceitar a bondade de Deus, assim como Adão e Eva fizeram, notas baseando-se em sua própria revelação, simplesmente perpetuam a fonte de toda a desgraça humana. Em vez de solucionarem o problema do mal, passam a fazer parte do problema.

Portanto, não se deveria pensar que o “problema do mal” é algo que justifique uma base intelectual para uma falta de fé em Deus. Antes, é, de forma bastante simples, a expressão pessoal de tal falta de fé. O que vemos é que os descrentes que desafiam a fé cristã acabam se contradizendo. Por serem desprovidos de fé em Deus, começam a argumentar que o mal é incompatível com a bondade e o poder de Deus. Quando são surpreenddos com uma solução logicamente adequada e sustentada biblicamente para o problema do mal, se recusam a aceitá-la, novamente por causa de sua falta de fé em Deus. Preferem permanecer com as incoerências de suas pressuposições a se submeterem à suprema e imutável autoridade moral de Deus. É um preço muito alto para se pagar, filosófica e pessoalmente. 

 

Notas:

1 DOSTOIÉVSKI,Fiódor M.Os irmãos karamazovi. Coleção Os Imortais da Literatura Universal.Vol. 1.Abril Cultural:Rio de Janeiro,1970,liv.V,cap. IV,p.181-4.

2 HUME,David.Diálogos sobre a religião natural. [Tradução José Oscar de Almeida Marques ].São Paulo:Marins Fontes,1992,p.136.

3 Buffalo,New York:Prometheus Books,1979.

 

DEUS CRIOU O MAL?

 

Gênese, ocorrência e finalidade do problema

 

Por Norman Geisler

Tradução: Elvis Brassaroto

 

“Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu, o SENHOR, faço todas estas coisas” (Is 45.7).

 

Sempre que se debate o assunto do mal, a tendência é apontar um responsável. Aliás, este é um comportamento intrínseco à natureza humana: colocar a culpa em alguém para se inocentar. No versículo que introduz esta matéria vemos claramente que o Senhor re-clama ser o criador de todas as coisas, inclusive do mal. Destarte, o próprio texto bíblico já se incumbiu de responder à nossa pergunta. Todavia, a questão é mais complexa do que isso e não pode ser reduzida a objetividade desta resposta. Há considerações que não podem ser desconsideradas nesta resposta. O que podemos entender da afirmação de que Deus criou o mal? O que é o mal? Em quais sentidos Deus seria o responsável pelo mal? Por que Deus não aniquila o mal? Por que Deus criou este mundo?

Neste artigo, propomos uma rápida reflexão sobre esta “culpa” que tanto massageia a ego dos céticos, e faremos isto retomando alguns aspectos da matéria “O problema do mal”, escrita por Greg Bahsen e publicada nesta edição de Defesa da Fé como texto de capa.

A gênese do mal

Deus é bom, e criou criaturas boas com uma qualidade denominada livre-arbítrio. Infelizmente, as criaturas de Deus usaram este poder, que é bom, para trazer o mal ao Universo. E como fizeram isso? Ao se rebelarem contra o Criador. Então, o mal surgiu do bem, não direta, mas indiretamente, pelo mau uso do poder bom chamado liberdade.

Desta forma, Deus é responsável por tornar o mal possível, mas as criaturas livres são responsáveis por torná-lo real.

Diante disso, conclui-se que, de alguma forma, o mal se relaciona a Deus, porém, se o crente prega que o mal não é algo separado de Deus e, ao mesmo tempo, não pode proceder de seu interior, então o que é o mal? O problema da criação não pode ser simplificado nas seguintes premissas:

1. Deus é o Autor de tudo o que existe

2. O mal é algo que existe

3. Logo, Deus é o Autor do mal

Concordar que Deus não criou todas as coisas é negar sua soberania. Todavia, admitir que Ele causou todas as coisas e que o mal faz parte dessas coisas é reconhecer que Deus causou o mal. Entretanto, os crentes respondem que o mal não é uma coisa ou substância, antes, é a falta ou a privação de algo bom que Deus fez. Assim, o mal é a corrupção das substâncias boas que Deus criou. É como a ferrugem em um carro ou a podridão em uma árvore. O mal não é algo em si só. Existe somente em companhia de outra coisa, mas nunca sozinho.

Dizer que o mal não é algo, mas uma falta nas coisas, não é o mesmo que afirmar que ele não é real. Temos de entender que privação não é o mesmo que simples ausência. A visão está ausente na pedra assim como no cego, mas a ausência de visão na pedra não é privação, pois a privação é a ausência de algo que deveria estar ali. Já que a pedra, por natureza, não deveria ver, ela não está privada de visão. Logo, o mal é a falta real nas coisas boas, como o cego pode testemunhar. O mal não é uma entidade real, mas a corrupção real em uma entidade real.

Esta corrupção que atinge o homem para que possa transformar a possibilidade do mal em realidade se chama ação. Mas é preciso tomar cuidado para não levar a depravação humana tão longe a ponto de destruir a habilidade de pecar. Um ser totalmente corrompido nem existiria. Não pode haver o mal supremo, pois, apesar de o mal reduzir o bem, jamais poderá destruí-lo completamente, porque se o bem fosse totalmente destruído o próprio mal desaparece-ria, já que seu sujeito, ou seja, o bem, não existiria mais.

A ocorrência do mal

Por que Deus, na sua onipotência, não destrói o mal?

Mesmo um ser onipotente como Deus não é capaz de fazer qualquer coisa para mudar esta tendência humana. Explicando. Deus jamais forçaria as pessoas a escolher livremente o bem, porque a liberdade forçada seria uma contradição à sua Palavra. Logo, Deus não pode destruir literalmente todo o mal sem aniquilar o livre-arbítrio. A única maneira de destruir o mal seria destruindo o bem do livre-arbítrio. Logo, se Deus destruís-se todo o mal, teria de destruir também todo o bem do livre-arbítrio Mas, apesar de Deus não aniquilar o mal, Ele pode (e irá!) derrotá-lo e, ao mesmo tempo, preservar o livre-arbítrio. Assim, ainda que o mal não possa ser destruído sem destruir o livre arbítrio, ele pode ser derrotado.

A finalidade do mal

Deus tem uma determinação para tudo e, por conta disso, nos permite conhecer um bom propósito para a maior parte do mal. Por exemplo, a habilidade que temos de sentir dor possui um bom propósito. C.S. Lewis declarou que “a dor é o megafone de Deus para advertir o mundo moralmente surdo”.

Além disso, temos de ponderar que parte do mal é produto do bem e que Deus é capaz de extrair coisas boas do mal. Também, temos de entender que nem todo evento específico no mundo precisa ter um bom propósito. Apenas o propósito geral precisa ser bom. Certamente, Deus tinha um bom propósito para criar a água (sustentar a vida), mas afogamentos são um dos subprodutos malignos. Assim, nem todo afogamento específico precisa ter um bom propósito, apesar de a criação da água ter tido. A bem da verdade, muitas coisas boas seriam perdidas se Deus não tivesse permitido que o mal existisse.

Isso não significa que este mundo seja o melhor mundo possível, mas que Deus o criou como a melhor maneira de atingir seu objetivo supremo do bem maior.

O mal como um problema que pode ser evitado

Se Deus, por sua onisciência, sabia que o mal ocorreria no mundo, então, por que criou este mundo? O Senhor poderia não ter criado nada; ou ter criado um mundo onde o pecado não pudesse ocorrer. Ou, ainda, criar um mundo onde o pecado ocorresse, mas que todos fossem salvos no final. Logo, segundo os descrentes, Deus não fez o melhor.

Entretanto, é necessário ter em mente que Deus não precisa fazer o melhor, mas apenas fazer o que é bom. Mas será que outra alternativa seria realmente melhor que este mundo? Absolutamente.

A ausência de mundo não pode ser melhor que o mundo. “Nada” não pode ser melhor que “algo”.

Um mundo livre, onde ninguém peca, ou mesmo um mundo livre, onde todos pecam e depois são salvos é concebível, mas não é atingível. Enquanto todos forem realmente livres, sempre será possível que alguém se recuse a fazer o bem. Se Deus não permitisse o mal, então as virtudes mais elevadas não poderiam ser atingidas. Não há como experimentar a alegria do perdão sem permitir a queda no pecado.

O cristão sabe da realidade do mal e, dentro de sua limitação, se esmera por evitá-lo. Ninguém pode demonstrar um mundo alternativo melhor que o mundo proposto pelo cristianismo. Não podemos nos esquecer que Deus ainda não terminou a sua obra, e muitos menos que as Escrituras prometem que algo melhor será alcançado. A fé do crente é que este mundo é o melhor caminho para o melhor mundo atingível.

 

Fonte:

Baker Encyclopedia of Christian Apologetics: Baker, 1999.

DOSTOIÉVSKI, Fiódor M. Os irmãos Karamazovi. Coleção Os Imortais da Literatura Universal.Vol. 1 Abril Cultural: Rio de Janeiro,1970, liv.V,cap. IV,p.181-4.

HUME, David.Diálogos sobre a religião natural. [Tradução José Oscar de Almeida Marques] São Paulo: Martins Fontes,1992,p.136.

Buffalo, New York: Prometheus Books,1979.