O Sagrado – Rudolf Otto (Resenha)

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 Em 2007 a Sinodal em conjunto com a EST (Escola Superior de Teologia-São Leopoldo. RS) e Editora Vozes trouxeram para o Brasil uma preciosidade, a obra de Rudolf Otto intitulada “O Sagrado”.  

Já na apresentação da obra Hermann Brandt introduz com maestria a beleza da produção de Otto. Com um breve histórico sobre o outros e a produção da obra Brand fomenta a curiosidade do leitor em direção aos temas apresentados nesta obra.

 Como citado por Brandt na introdução “Otto ressalta o elemento aterrador, o estremecimento cotidiano da experiência com Deus” e é esta relação com o divino que foi ressaltado na obra dentro da perspectiva racional e irracional.  O prefácio da edição brasileira vale a pena ser lido com olhos atentos, pois, aborda etnicamente o impacto de “o sagrado” no contexto

brasileiro. Certamente não se trata de uma abordagem profunda, mas, aponta algumas críticas tais como, o racionalismo religioso, o movimento New Age e a abordagem do irracional contido na obra.  

Tem-se ainda a presença de um glossário antes do primeiro capítulo. Segundo Walter O. Schlupp o glossário é uma ferramenta imprescindível para compreensão da obra, além de “informar leitores e leitoras sobre as opções feitas na tradução de certos verbetes ou expressões. O glossário original, de Rudolf Otto, em regra, foi assimilado e distribuído no corpo principal do texto”.

O cerne de “O Sagrado” configura-se na compreensão do universo sacro enquanto algo realmente divino que transcende os processos de racionalização. Tese defendida por Lutero que influencia a proposição apresentada por Otto. Desta forma, fica evidente a interpretação do sagrado como algo labiríntico, misterioso. O autor da obra apresenta duas abordagens fascinantes, o fator “racional” e o “irracional numinoso”. Estas duas definições aparecem no primeiro (Racional e Irracional) e segundo (O Numinoso) capitulo. Aliás, o numinoso passa a ser objeto de análise que se faz presente nos capítulos subsequentes (Numinoso I, II, III, IV, V e VI) no qual o numinoso é percebido como o mysterium tremendum,augustum.

Os leitores mais atenciosos não deixarão de perceber a abordagem fenomenológica compreensiva que busca a captação de sentido, que é, em outros termos, aquilo que foi a intenção do agente quando realizou algo (Dartigues, André. 2008). Esta intenção fica explicita na obra de Otto, pois, para ele a única maneira de entender aquele ou aquilo estabelecido como irracional é ter uma experiência pessoal com o sagrado. A existência do irracional só passa a ter sentido com o advento da experiência pessoal.  Desta forma a “captação de sentido” do mysterium tremendum só passa a fazer sentido após uma relação essencial (essência existencialista) com o sagrado. 

O Capítulo três trata da percepção e o limite da razão (Kant) para captar a plenitude da experiência religiosa, visto que o numinoso é um saber a priori que passa a fazer sentido quando este se relaciona com a alma. Esta por sua vez não pode ser compreendida nos limites da simples e pura razão. A tensão entre racional e irracional passa então a desenvolver na obra um papel muito importante, o de lançar luz sobre a compreensão do sagrado.

Nos capítulos, quatro, sete e nove Otto busca esclarecer as faces do numinoso, contudo, o autor aponta os limites para tal entendimento. Mysterium, a manifestação do numinoso, de “arrepiar os pelos”.  Tremendum, o temido. O temor, o medo e o castigo são características inerentes do Tremendum que ainda pode ser relacionado à figura do diabo. Majestas, a soberania e grandiosidade de Deus. O incomensurável e infinito que nos faz assumir um posicionamento de humildade e pequenez frente ao misterium Majestas.

A leitura de “O sagrado” em certos momentos do texto nos dá a impressão de estarmos lidando com um tipo de “existencialismo poético científico”. Logo no final da página 151 temos o seguinte trecho:

“A teoria evolucionista de hoje tem todo o direito de tentar “exp1icar” o fenômeno chamado religião, pois esta é de fato a tarefa da ciência da religião. Mas para poder explicar, é preciso ter um dado. Do nada, nada se explica. Natureza só se pode explicar com base em forças fundamentais naturais já dadas, cujas leis é preciso buscar. Querer explicar essas, por sua vez, não faz sentido. No plano mental, entretanto, esse [dado] primeiro a partir do qual se apresenta explicações é o próprio espirito humano [Geist] com suas características, forcas e leis; é preciso pressupor o espirito humano, 0 qual em si mesmo não pode ser explicado. Não se pode dizer como “se faz” espirito.” (Rudolf Otto. 2007)

Em síntese, ler “O sagrado” constitui-se uma experiência impar capaz de trazer nos fazer refletir acerco de nossa “essência”, questionar a relação que temos ou não com o numinoso, rever nosso posicionamento frente às questões do espírito.