ANALISE TREMEMBE

Tremembé: O Espelho do Abismo

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O Espelho do Abismo e a Sedução da Sombra: Por que Tremembé fascina tanta gemte?

Recentemente, as manchetes foram tomadas pela polêmica em torno do “Diário de Tremembé: O Presídio dos Famosos”. A obra, escrita pelo ex-prefeito Acir Filló no cárcere, teve sua circulação vetada pela Justiça, mas não antes de causar um verdadeiro alvoroço midiático. Nas telas, a série Tremembé também ficou famosa e elevou o status de criminosos, os tranformou em artistas que ganharam milhares de fans e seguidores nas Redes sociais.

Tanto o livro quanto a série prometem devassar o cotidiano de figuras que habitam o imaginário sombrio do país, como Suzane von Richthofen, Elize Matsunaga, os irmãos Cravinhos (Daniel e Cristian), Anna Carolina Jatobá e Alexandre Nardoni, Sandrão e Roger Abdelmassih. Contudo, para além da curiosidade forense, este fenômeno suscita uma inquietação clínica e espiritual profunda: por que cidadãos ditos “de bem” consomem, validam e se fascinam pela narrativa de vidas marcadas pela transgressão?

Abaixo, a tabela com os nomes e as respectivas condenações:

OBSERVAÇÃO: No Direito Penal brasileiro, um homicídio é “qualificado” quando cometido sob circunstâncias que aumentam sua gravidade (como motivo fútil, meio cruel, ou contra descendente), o que eleva a pena base.

Não estamos diante de uma mera curiosidade mórbida, mas da “espetacularização do mal“.


Carl Gustav Jung (1984), introduziu o conceito de “Sombra”, o lado obscuro da psique onde reprimimos instintos que a moralidade social condena. O próprio Jung nos lembra que essas raízes residem no inconsciente, onde escondemos aquilo que preferimos que os outros não percebam.

Quando o público busca avidamente pela série/livro “Tremembé” ou consome “True Crime” como entretenimento, ocorre uma projeção dessa Sombra. O criminoso, em sua tragédia, performa na realidade aquilo que o cidadão comum reprime.

Já do ponto de vista teológico, isso remete à nossa “natureza herdada de Adão”. Existe uma solidariedade no pecado; ao olharmos para o abismo do outro, reconhecemos, ainda que inconscientemente, a potencialidade do mal que habita em nós (Romanos 7:15). Assistir a esse espetáculo torna-se uma válvula de escape segura para vivenciar a transgressão sem o ônus da condenação judicial, embora o ônus espiritual permaneça.

Na psicanálise lacaniana, operamos com o conceito de “Gozo” (Jouissance), uma satisfação paradoxal que transborda para o desprazer e toca o proibido. O criminoso exerce atração magnética porque ousa romper com a Lei (o Grande Outro). Biblicamente, essa dinâmica é antiga: remonta ao Jardim do Éden. A proposta da serpente e a subsequente queda ocorreu porque o ser humano desejou a emancipação através do conhecimento do bem e do mal, rompendo o limite divino.

Ao validarmos conteúdos que glamorizam o crime nas redes sociais, estamos, em última instância, flertando com esse fruto proibido. É a “Grande Conspiração” do ego, que busca autonomia longe dos decretos divinos.

O sujeito, ao observar a vida do transgressor, experimenta um gozo escópico; ele participa da queda do outro como quem assiste a uma tragédia grega.


O relato de que detentos pedem para figurar em livros “para entrar para a história” denuncia o narcisismo patológico, mas também a nossa cumplicidade enquanto sociedade. Vivemos na era da “Sociedade do Espetáculo”, descrita por Guy Debord, e reforçada pela geração que Theodore Dalrymple chamou de “Podres de Mimados”.

Nesta cultura, onde “os indivíduos são preponderantemente narcisistas”, a visibilidade tornou-se o novo ídolo. Para a mente em formação de jovens e adolescentes, o perigo é devastador: se o crime confere fama e imortalidade literária, a bússola ética se desmagnetiza. O mal deixa de ser uma abominação para se tornar uma estratégia de marketing pessoal.

A validação digital (likes e views) atua como recompensa para a alma vazia, que, desconectada de Deus, busca preencher seu abismo com a vaidade efêmera da visibilidade e ópio imagético que entorpece a dor da realidade daqueles que perderam suas vidas pela ação violentas de criminosos que nessa construção ganham status de “ídolos”.


É imperativo distinguir o interesse histórico e jurídico da validação do mal. Ler/assitir a escuridão humana para compreendê-la é ciência; consumir a tragédia alheia como novela é uma foma de perversão.

Nosso papel é desconstruir esse glamour sombrio. Não se trata apenas de proibir o livro ou série, mas de educar o olhar. Devemos ensinar que a verdadeira coragem não está na quebra da lei, mas na “verdadeira liberdade” que, como nos ensinam Kant e Paulo, reside na capacidade de fazer o bem e dominar os próprios impulsos.

Aplausos e likes não curam feridas abertas pela maldade exercida por criminosos, muito menos podem preencher o vazio na alma. Que possamos olhar para o abismo não com fascínio, mas com a misericórdia de quem sabe que, sem a Graça, seríamos nós os protagonistas dessas páginas tristes. A cura para essa sociedade voyeurista não está em mais entretenimento, mas no retorno à ética do amor pregada por Jesus, o único caminho capaz de preencher o vazio existencial que tanto tentamos mascarar.

Referências Bibliográficas


BÍBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.

BORGES, Renato. Além da Angústia: A Jornada Existencial na busca por Deus. 2. ed. Goiânia: Edição do Autor, 2024.

DALRYMPLE, Theodore. Podres de Mimados: As consequências do sentimentalismo tóxico. São Paulo: É Realizações, 2011.

DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

JUNG, Carl G. O Eu e o Inconsciente. Petrópolis: Vozes, 1984.

LACAN, Jacques. O Seminário, livro 7: A ética da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.