O Espelho do Abismo e a Sedução da Sombra: Por que Tremembé fascina tanta gemte?
Recentemente, as manchetes foram tomadas pela polêmica em torno do “Diário de Tremembé: O Presídio dos Famosos”. A obra, escrita pelo ex-prefeito Acir Filló no cárcere, teve sua circulação vetada pela Justiça, mas não antes de causar um verdadeiro alvoroço midiático. Nas telas, a série Tremembé também ficou famosa e elevou o status de criminosos, os tranformou em artistas que ganharam milhares de fans e seguidores nas Redes sociais.
Tanto o livro quanto a série prometem devassar o cotidiano de figuras que habitam o imaginário sombrio do país, como Suzane von Richthofen, Elize Matsunaga, os irmãos Cravinhos (Daniel e Cristian), Anna Carolina Jatobá e Alexandre Nardoni, Sandrão e Roger Abdelmassih. Contudo, para além da curiosidade forense, este fenômeno suscita uma inquietação clínica e espiritual profunda: por que cidadãos ditos “de bem” consomem, validam e se fascinam pela narrativa de vidas marcadas pela transgressão?
Abaixo, a tabela com os nomes e as respectivas condenações:
| Nome do Criminoso | Motivo da Condenação (Resumo Jurídico-Penal) |
| Suzane von Richthofen | Homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, meio cruel e recurso que impossibilitou a defesa das vítimas) pela morte dos pais, Manfred e Marísia von Richthofen, e fraude processual. |
| Irmãos Cravinhos (Daniel e Cristian) | Homicídio triplamente qualificado (executores materiais do crime) contra o casal von Richthofen e fraude processual. |
| Elize Matsunaga | Homicídio qualificado (meio cruel e recurso que dificultou a defesa) e ocultação de cadáver pela morte e esquartejamento do marido, Marcos Matsunaga. |
| Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá | Homicídio triplamente qualificado (meio cruel, recurso que impossibilitou a defesa e para assegurar a impunidade de outro crime) e fraude processual pela morte de Isabella Nardoni. |
| Sandrão (Sandra Regina Gomes) | Latrocínio (roubo seguido de morte) e extorsão mediante sequestro qualificada pelo resultado morte (caso do adolescente Geraldo Ribeiro). Também possui condenação por tráfico de drogas. |
| Roger Abdelmassih | Estupro e atentado violento ao pudor (conforme legislação da época) contra dezenas de pacientes em sua clínica de reprodução assistida. |
OBSERVAÇÃO: No Direito Penal brasileiro, um homicídio é “qualificado” quando cometido sob circunstâncias que aumentam sua gravidade (como motivo fútil, meio cruel, ou contra descendente), o que eleva a pena base.
Não estamos diante de uma mera curiosidade mórbida, mas da “espetacularização do mal“.
A Sombra Coletiva e a Natureza Adâmica
Carl Gustav Jung (1984), introduziu o conceito de “Sombra”, o lado obscuro da psique onde reprimimos instintos que a moralidade social condena. O próprio Jung nos lembra que essas raízes residem no inconsciente, onde escondemos aquilo que preferimos que os outros não percebam.

Quando o público busca avidamente pela série/livro “Tremembé” ou consome “True Crime” como entretenimento, ocorre uma projeção dessa Sombra. O criminoso, em sua tragédia, performa na realidade aquilo que o cidadão comum reprime.
Já do ponto de vista teológico, isso remete à nossa “natureza herdada de Adão”. Existe uma solidariedade no pecado; ao olharmos para o abismo do outro, reconhecemos, ainda que inconscientemente, a potencialidade do mal que habita em nós (Romanos 7:15). Assistir a esse espetáculo torna-se uma válvula de escape segura para vivenciar a transgressão sem o ônus da condenação judicial, embora o ônus espiritual permaneça.
O Gozo na Transgressão e o Fruto Proibido
Na psicanálise lacaniana, operamos com o conceito de “Gozo” (Jouissance), uma satisfação paradoxal que transborda para o desprazer e toca o proibido. O criminoso exerce atração magnética porque ousa romper com a Lei (o Grande Outro). Biblicamente, essa dinâmica é antiga: remonta ao Jardim do Éden. A proposta da serpente e a subsequente queda ocorreu porque o ser humano desejou a emancipação através do conhecimento do bem e do mal, rompendo o limite divino.
Ao validarmos conteúdos que glamorizam o crime nas redes sociais, estamos, em última instância, flertando com esse fruto proibido. É a “Grande Conspiração” do ego, que busca autonomia longe dos decretos divinos.
O sujeito, ao observar a vida do transgressor, experimenta um gozo escópico; ele participa da queda do outro como quem assiste a uma tragédia grega.
O Narcisismo na Sociedade do Espetáculo
Ai dos que ao mal chamam bem, e ao bem mal; que fazem das trevas luz, e da luz trevas; e fazem do amargo doce, e do doce amargo!
Isaías 5:20
O relato de que detentos pedem para figurar em livros “para entrar para a história” denuncia o narcisismo patológico, mas também a nossa cumplicidade enquanto sociedade. Vivemos na era da “Sociedade do Espetáculo”, descrita por Guy Debord, e reforçada pela geração que Theodore Dalrymple chamou de “Podres de Mimados”.
Nesta cultura, onde “os indivíduos são preponderantemente narcisistas”, a visibilidade tornou-se o novo ídolo. Para a mente em formação de jovens e adolescentes, o perigo é devastador: se o crime confere fama e imortalidade literária, a bússola ética se desmagnetiza. O mal deixa de ser uma abominação para se tornar uma estratégia de marketing pessoal.
A validação digital (likes e views) atua como recompensa para a alma vazia, que, desconectada de Deus, busca preencher seu abismo com a vaidade efêmera da visibilidade e ópio imagético que entorpece a dor da realidade daqueles que perderam suas vidas pela ação violentas de criminosos que nessa construção ganham status de “ídolos”.
O Olhar da Graça e da Verdade
É imperativo distinguir o interesse histórico e jurídico da validação do mal. Ler/assitir a escuridão humana para compreendê-la é ciência; consumir a tragédia alheia como novela é uma foma de perversão.
Nosso papel é desconstruir esse glamour sombrio. Não se trata apenas de proibir o livro ou série, mas de educar o olhar. Devemos ensinar que a verdadeira coragem não está na quebra da lei, mas na “verdadeira liberdade” que, como nos ensinam Kant e Paulo, reside na capacidade de fazer o bem e dominar os próprios impulsos.
Aplausos e likes não curam feridas abertas pela maldade exercida por criminosos, muito menos podem preencher o vazio na alma. Que possamos olhar para o abismo não com fascínio, mas com a misericórdia de quem sabe que, sem a Graça, seríamos nós os protagonistas dessas páginas tristes. A cura para essa sociedade voyeurista não está em mais entretenimento, mas no retorno à ética do amor pregada por Jesus, o único caminho capaz de preencher o vazio existencial que tanto tentamos mascarar.
Referências Bibliográficas
BÍBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.
BORGES, Renato. Além da Angústia: A Jornada Existencial na busca por Deus. 2. ed. Goiânia: Edição do Autor, 2024.
DALRYMPLE, Theodore. Podres de Mimados: As consequências do sentimentalismo tóxico. São Paulo: É Realizações, 2011.
DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
JUNG, Carl G. O Eu e o Inconsciente. Petrópolis: Vozes, 1984.
LACAN, Jacques. O Seminário, livro 7: A ética da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.



