A DEPRESSÃO ENQUANTO MAL-ESTAR NA CONTEMPORANEIDADE

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A Depressão no Contexto Global

Em 2017, a Organização Mundial de Saúde (OMS) destacou em sua publicação “Depression and Other Common Mental Disorders” que mais de 300 milhões de pessoas no mundo estão sofrendo de depressão. A OMS declara que esse número vem subindo, e é ainda mais preocupante em países em desenvolvimento, pois os dados afirmam que nesses países o número de pessoas acometidas de suicídio vem crescendo. No Brasil, mais de 10% da população vem passando pelo transtorno (OMS, 2017).

Ainda segundo o texto da OMS (2017), o grupo de risco atinge todas as idades, mas cresce quando levados em consideração fatores como risco de vida em decorrência de problemas físicos, desemprego, morte de ente querido, quebra de relacionamento e problemas causados por uso de drogas.

Freud, em “Mal-estar na Civilização”, entende que a alma vive em estado de conflito entre aquilo que se deseja e aquilo que é passível de realização. A questão relevante é que, no caso da civilização, o ser humano tem mais demandas do que pode realizar, o que causa uma insatisfação por parte do Ego, que julga falhar na tarefa de realizar aquilo que lhe é cobrado. O mal-estar se dá pela inconformidade entre aquilo que a sociedade requer do indivíduo e suas reais carências.

Já Bauman (1998) acrescenta que o indivíduo pós-moderno carece de segurança, de um lugar no qual ele possa se fixar. Contudo, o sociólogo assinala que “os mal-estares, aflições e ansiedades típicos do mundo pós-moderno resultam do gênero de sociedade que oferece cada vez mais liberdade individual ao preço de cada vez menos segurança” (p. 156). Ou seja, o mal-estar proposto por Freud se faz válido na pós-modernidade, uma vez que o indivíduo é acometido de um sentimento de insegurança avassalador no que se refere à durabilidade do projeto de vida nas relações afetivas (família, matrimônio, emprego, namoro).

O mal-estar é produzido quando não há garantias nas relações sociais, pois não há como manter as resoluções das exigências sociais, uma vez que se reconfiguram a cada instante. Há um eterno retorno ao vazio, o qual deve ser preenchido por algo a ser alcançado.

Em meio a múltiplas insatisfações decorrentes da incapacidade de resolução das demandas sociais, que segundo Bauman (1998) vendem felicidade a conta-gotas, fracionada em momentos curtos e voláteis que logo se desfazem, o indivíduo se vê na necessidade de tornar sua existência estética e espetacularizada em detrimento de uma identidade fixa. Essa forma de se relacionar consigo mesmo e com o universo social torna a existência um adorno que precisa ser visto e “curtido” pela comunidade. Os laços sociais são carnavalescos, não trazem projeto de vida ou sentido existencial, mas servem ao cenário imagético no qual um produto recebe valor por aqueles que o consomem, não por si mesmo. Deste modo, tem-se um ser vazio de identidade, sem sentido real de existência, sem projeto de vida, um ser carente daquilo que Freud (1930) chama de sentimento oceânico.

Depressão e Mal-Estar

A depressão é definida pela OMS (2017) como “um transtorno mental caracterizado por tristeza persistente e pela perda de interesse em atividades que normalmente são prazerosas, acompanhadas da incapacidade de realizar atividades diárias, durante pelo menos duas semanas. Costumam apresentar vários dos seguintes sintomas: perda de energia; mudanças no apetite; aumento ou redução do sono; ansiedade; perda de concentração; indecisão; inquietude; sensação de que não valem nada, culpa ou desesperança; e pensamentos de suicídio ou de causar danos a si mesmas.” Já no behaviorismo, um elemento central é o sentimento de desamparo resultante do processo de punição.

Diante do sentimento de desamparo, da insegurança, da falta de sentido existencial, o medo de não corresponder às expectativas sociais, e muitas vezes, o medo de sofrer a punição (isolamento) já que não se espetacularizou o suficiente para manter-se enquanto identidade estética, parte do espetáculo social. Esta dinâmica produz angústia e sofrimento, o que em muitos casos tem desencadeado a depressão, tal como citado nas relatorias da OMS (2017).

A depressão é mais comum entre mulheres (OMS, 2017), uma vez que na última década a mulher vem enfrentando o processo de empoderamento. No afã da autossuficiência, a mulher vem enfrentando angústias e conflitos a fim de conquistar maior reconhecimento no meio social. Outro ponto relevante é compreender que, quando se fala em depressão, existem formas diferentes de classificá-las:

  • Episódio depressivo leve: quando não há grandes danos nas realizações das atividades cotidianas;
  • Episódio depressivo moderado: quando existe comprometimento substancial das atividades cotidianas. A quantidade de sintomas varia de uma escala igual ou maior que quatro;
  • Episódio depressivo grave sem sintomas psicóticos: muitos sintomas muito intensos, severo prejuízo nas atividades diárias, ideação suicida elevada e com ou sem sintomas somáticos;
  • Episódio depressivo grave com sintomas psicóticos: além do quadro clínico descrito em F30.1, de ideias delirantes (em geral de grandeza) ou de alucinações (em geral do tipo de voz que fala diretamente ao sujeito) ou de agitação, de atividade motora excessiva e de fuga de ideias de uma gravidade tal que o sujeito se torna incompreensível ou inacessível a toda comunicação normal.

Existem também outras formas de psicopatia, contudo faz-se necessário uma abordagem que tange o mal-estar pós-moderno e a depressão. Tal como foi descrito acima, a pós-modernidade produz grandes níveis de ansiedade já que exige do indivíduo um estado constante de prazer, contudo, sem haver segurança ou estabilidade de que o estado de prazer se perpetue.

Estudos recentes apontam uma forte relação entre a ansiedade e a depressão, algo em torno de 90% daqueles que são acometidos por transtornos de ansiedade também já passaram por algum grau de depressão. No que se refere ao tratamento da ansiedade e depressão, o mais indicado é a terapia cognitivo-comportamental e a terapia interpessoal. Outra abordagem é a medicamentosa, a qual consiste em combinar um tipo específico de medicação ao acompanhamento psiquiátrico.

Em suma, entende-se que claramente há uma relação simbiótica entre a ansiedade/depressão e o modelo social pós-moderno; essa forma de dinâmica social que, por produzir uma busca insaciável pela realização do prazer, acaba por também fomentar a frustração (mal-estar) em uma identidade volátil e sem seguranças afetivas.

Referências Bibliográficas:

BAUMAN, Z. Mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

FREUD, Mal-estar da civilização. 1930

BAHLS, Saint-Clair. Aspectos clínicos da depressão em crianças e adolescentes: clinical features. J. Pediatr. (Rio J.), Porto Alegre, v. 78, n. 5, p. 359-366, Oct. 2002. Disponível em: www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0021-75572002000500004&lng=en&nrm=iso . Acesso em 25 Jullho de 2019. http://dx.doi.org/10.1590/S0021-75572002000500004.

OMS. Depression and Other Common Mental Disorders. Disponível em: https://www.paho.org/hq/index.php?option=com_topics&view=article&id=212&Itemid=40872&lang=en. Acesso em 25 julho de 2019.

PINHEIRO, Maria Teresa da Silveira; QUINTELLA, Rogerio Robbe; VERZTMAN, Julio Sergio. Distinção teórico-clínica entre depressão, luto e melancolia. Psicol. clin., Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 147-168, 2010. . Acesso em 25 julho de 2019.

MANUAL MSD. Versão para Profissionais de Saúde. Disponível em: https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/transtornos-psiquiátricos/transtornos-do-humor/transtornos-depressivos#v1028038_pt . Acesso em 25 julho de 2019.

SUS – Transtorno de humor. Disponível em: www.datasus.gov.br/cid10/V2008/WebHelp/f30_f39.htm. Acesso em 25 de julho de 2019.