Filosofia do Ego ou Evangelho da Cruz

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No dia em que dele comerem desse fruto, seus olhos se abrirão, e vocês serão como Deus, conhecedores do bem e do mal”

A Serpente – Gênesis 3:5

A promessa de ser como Deus é antiga, remontando aos primórdios da raça humana. O fruto proibido parece tão atraente que desperta nossos desejos, pois traz a ilusão de que podemos nos tornar deuses de nossa própria existência, buscando ser venerados e seguidos por aqueles que almejam sucesso e prazer.

Por que Eva e Adão não questionaram a serpente? Uma pergunta pertinente seria: se o fruto é tão bom assim, por que transferir a responsabilidade para mim? Ou, se é possível ser como Deus, por que você, serpente, ainda não o é? O casal poderia ter respondido como Jesus, o último Adão, que disse: “Vai-te, Satanás” (Lucas 4:8). Contudo, Eva aceitou a infame proposta.

Essa proposta, embora apresentada no Jardim do Éden, continua a ser feita aos religiosos até hoje, em igrejas que decidiram aceitar as palavras de Satanás: “Se me adorares, tudo isso será seu” (Lucas 4:7). Assim como um marketing enganoso, “o fruto” mudou de nome e passou a ser chamado de “Teologia da Prosperidade”. Fundada por William Kenyon em 1930, essa filosofia ganhou força no final do século XX, pregando que o indivíduo é o responsável por sua própria prosperidade. Nela, Deus se transforma em um gênio mágico a serviço do homem, enquanto a prosperidade prometida é terrena, não eterna, como ensinada por Jesus (Mateus 6).

Devido às críticas que a Teologia da Prosperidade enfrentou de defensores do evangelho, ela precisou de uma roupagem contemporânea. Assim, surgiu a “Teologia Coaching”, que aplica o mesmo pragmatismo religioso do fruto do Éden, agora oferecido por alguns líderes em igrejas e púlpitos. “Comam desse fruto! Comam e sereis como deuses! Porque o centro do amor de Deus é você!”

Será? Ao ler as orientações de Paulo à igreja em Roma, ele afirma: “Por Ele e para Ele são todas as coisas” (Romanos 11:36). Napoleon Hill resume: “Acredite em si mesmo e tudo é possível”, uma tese já exposta por Leonardo da Vinci, que disse: “O homem é o modelo do mundo”. Por essa razão, Jesus enfatiza: “O que nasce da carne é carne, mas o que nasce do Espírito é espírito. Não se surpreenda pelo fato de eu ter dito: É necessário que vocês nasçam de novo” (João 3).

Teologia Coaching ou Evangelho da Cruz


Embora a Teologia Coaching possa parecer atraente como o fruto no Jardim, é essencial avaliar sua compatibilidade com o Evangelho. O Evangelho apresenta uma mensagem central que coloca a cruz de Jesus Cristo como o cerne da redenção e da vida cristã. Jesus afirmou claramente: “Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me” (Mateus 16:24). Essa abordagem cristã enfatiza a importância da renúncia do ego, da humildade e do sacrifício pessoal em prol de Deus e do próximo, indo em total oposição à filosofia do ego promovida pelo coaching, que foca no desenvolvimento pessoal e na conquista de objetivos individuais.

Martinho Lutero, figura central da Reforma Protestante, destacou a doutrina da justificação pela fé, afirmando que a salvação é um dom gracioso de Deus, inatingível por nossos próprios esforços. Ele reconheceu a profunda depravação humana e a necessidade da cruz de Cristo como a única esperança para a salvação, afirmando: “A verdadeira teologia e o conhecimento de Deus não são encontrados na glória ou na sabedoria, mas na humildade e no sofrimento da cruz” (Da Servidão Voluntária). Essa perspectiva realça a centralidade da cruz e a negação do ego como partes essenciais da jornada espiritual.

João Calvino, outro importante teólogo reformado, enfatizou a soberania de Deus em todas as áreas da vida, sublinhando a necessidade de sujeitar-se à vontade divina, mesmo diante do sofrimento e da negação do ego.

Filosofia do Ego na Teologia Coaching


A Teologia Coaching pode criar a sensação de um “suprassumo espiritual”, como observa Renato Borges. O filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard escreveu sobre o desespero humano, apontando que muitos buscam satisfazer anseios estéticos, levando a uma religião que serve ao prazer humano. Isso resulta na ilusão de viver o auge da espiritualidade, enquanto a verdadeira espiritualidade reside no reconhecimento da depravação humana e na busca pelo fruto do Espírito. A Teologia Coaching promove uma falsa sensação de “suprassumo espiritual”, silenciando vozes que clamam por humildade, arrependimento e reconhecimento da dependência de Deus.

Calvino escreveu: “Negar a si mesmo é renunciar a toda a nossa natureza e aniquilar o nosso próprio eu” (Institutas da Religião Cristã). Essa visão destaca a importância de submeter nosso ego às demandas de Deus, reconhecendo que nossa identidade e significado estão em Cristo, não em nossos próprios esforços. A Teologia Coaching, com sua ênfase no desenvolvimento pessoal, pode desviar a atenção da centralidade da cruz de Cristo e do chamado à negação do ego. Embora o crescimento pessoal e o sucesso sejam legítimos, a Teologia Coaching arrisca transformar o Evangelho em um mero veículo para a realização pessoal, perdendo de vista sua mensagem central de arrependimento, redenção e transformação interior.

Adotar uma abordagem de “filosofia do ego” na Teologia Coaching incentiva uma mentalidade individualista, onde o foco principal é a satisfação pessoal e a busca por conquistas materiais e emocionais. Isso contrasta com a mensagem do Evangelho, que nos chama a negar a nós mesmos, tomar nossa cruz e seguir a Jesus. O chamado à cruz implica renúncia, humildade e serviço ao próximo, em vez de buscar apenas satisfação e sucesso pessoais. Além disso, a Teologia Coaching promove uma compreensão equivocada da graça de Deus, transformando-a em uma ferramenta para alcançar objetivos egoístas, quando, na verdade, a graça é um dom gratuito e transformador que nos convida a viver conforme a vontade divina.

Pragmatismo Religioso


Como reformado, enfatizo a necessidade de manter o Evangelho da Cruz como o centro de nossa fé e prática. Isso implica reconhecer nossa depravação, nossa total dependência da graça de Deus e nossa disposição de negar o ego em obediência ao chamado de Jesus. Lutero e Calvino nos lembram da importância de uma abordagem teológica que nos leve à cruz de Cristo e à renúncia do ego, ao invés de uma filosofia que coloca o sucesso pessoal como objetivo final.

Em suma, a Teologia Coaching oferece ferramentas valiosas para o mundo dos negócios, como metas, planejamento e gerenciamento de riscos. No entanto, é fundamental avaliar sua compatibilidade com os ensinamentos bíblicos e a tradição teológica reformada. O Evangelho da Cruz nos chama a uma vida de renúncia, humildade e serviço ao próximo, em contraste com a mentalidade da filosofia do ego promovida pelo coaching. Que possamos sempre nos apegar à verdade do Evangelho e buscar a glória de Deus acima de nossas realizações pessoais. Afinal, “prossigo para o alvo, a fim de ganhar o prêmio do chamado celestial de Deus em Cristo Jesus” (Filipenses 3).

REFERÊNCIAS :

A BÍBLIA SAGRADA. Tradução em português por João Ferreira de Almeida, revista e atualizada. 2ª. Ed. Sociedade Bíblica do Brasil. Barueri, 1993

KIERKEGAARD. S. A. O Desespero Humano. Trad. de Adolfo Casais Monteiro. São Paulo: Editora da UNESP, 2010.

MARGARIDO, Filipe Barbosa. O desespero humano: Søren Kierkegaard e a clínica psicológica. 2017. Dissertação (Mestrado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47133/tde-05102017-173927/. Acesso em: 26 jun. 2023.

MCGRATH, A. E. Lutero e a teologia da cruz. 1ª Ed. São Paulo: Editora Cultura, Cristã, 2014

LUTERO. Martinho. Obras selecionadas. São Leopoldo, Sinodal, Porto Alegre, Concórdia, 1987.