Objeto era alvo de divergências no meio acadêmico por causa da inscrição “Tiago, filho de José e irmão de Jesus“
O juiz Aharon Farkash, responsável pelo processo, foi quem deu o veredicto em favor da autenticidade do artefato, depois de ouvir todos os argumentos levantados pró e contra a autencidade.
A Urna de Tiago foi revelada ao mundo em 2002 pelo engenheiro judeu Oded Golan, um homem de negócios. Logo foi reconhecida a datação da urna como sendo do primeiro século. O problema era a inscrição “Tiago, filho de José e irmão de Jesus“. Esses dizeres causaram alvoroço por colocar em xeque o dogma católico da virgindade perpétua de Maria.
Engenheiro e Judeu Oded Golan
Também engenheiro em Tel Aviv e colecionador de antiguidades de Israel, Golan disse que adquiriu o artefato em meados dos anos 70, de um comerciante de antiguidades de Jerusalém, por cerca de 200 dólares. Mas, em dezembro de 2004, ele foi acusado por peritos céticos de falsificar a inscrição e a Justiça local interferiu no caso, que se arrastou até outubro de 2010, quando, depois de ouvir as objeções à autenticidade, feitas inclusive por membros da Autoridade de Antiguidades de Israel (IAA), o juiz Aharon Farkash chegou à conclusão de que a teoria da falsificação da inscrição era indefensável.
Como foi o julgamento
Nesses mais de cinco anos em que o processo tramitou nos tribunais, foram ouvidos alguns dos maiores peritos em antiguidades do mundo, com a ação se estendendo por 116 sessões, tendo sido ouvidas 133 testemunhas e produzidas 12 mil páginas de depoimentos.
Durante esse período, especialistas da IAA tentaram desqualificar o ossuário, mas terminaram sendo convencidos de sua autenticidade.
Os argumentos da pesquisadora israelense Rochelle Altman, professora da Universidade Hebraica de Jerusalém, e do professor norte-americano Paul Flesher, da Universidade de Wyoming, contra a autenticidade do final da inscrição foram derrubados. Venceu a argumentação de especialistas como André Lamaire, da Universidade de Sorbonne, na França, respeitado por sua experiência em inscrições do período bíblico e que contou com a ajuda de um especialista judeu em paleografia para analisar o ossuário, desarticulando a opinão de Altman e Flesher. “Eu não encontrei a separação do texto em duas partes, como Altman aponta. Se a pessoa observar com cuidado para uma boa fotografia, verá que as letras têm a mesma forma em ambos os trechos. A evidência mencionada é realmente mais comum nos dialetos do segundo ao sétimo séculos da Era Cristã, mas isso não exclui o primeiro século. Há provas arqueológicas de que o sufixo ‘wy’ aparece antes do segundo século, e um dos melhores exemplos aparece exatamente em outro ossuário do primeiro século. Entendo muito bem o medo de que a inscrição seja forjada, mas o ossuário se encaixa perfeitamente no que se sabe sobre estilo, língua e artesanato da época“, conclui Lamaire.
Os geólogos judeus não encontraram na inscrição indícios do uso de pigmentos ou ferramentas modernos, nem qualquer outro sinal de adulteração. A participação de peritos em testes de Carbono-14, Arqueologia, História Bíblica, Paleografia (análise do estilo da escrita da época), Geologia, Biologia e Microscopia converteu o tribunal israelense em um palco de seminário de doutorado. No final, Golan, que era acusado de criar uma falsa pátina (fina camada de material formada por micro-organismos que envolvem os objetos antigos), foi inocentado, já que o perito judeu da própria IAA, Yuval Gorea, especializado em análise de materiais, admitiu que os testes microscópicos ratificaram que a pátina onde se lê “Jesus” é do primeiro século mesmo.
Com essa definição da autenticidade da inscrição, pode-se dizer agora, sem sombra de dúvida, que a comunidade científica está muito provavelmente diante da primeira menção epigráfica de Jesus de Nazaré, datada de cerca de 63 d.C.
O especialista em Arqueologia pela Universidade Hebraica de Jerusalém, Rodrigo Pereira da Silva, que também exerce o cargo de professor do Centro Universitário Adventista de São Paulo, afirma que o resultado era mais do que esperado pela força das evidências apresentadas já na época do anúncio da descoberta. “A Paleografia mostrou que as letras aramaicas eram do primeiro século. A primeira e a segunda partes da inscrição têm a mesma idade. E o estudo da pátina indica que tanto o caixão quanto a inscrição têm 2 mil anos“. Em 2009, o estudioso teve a oportunidade de segurá-la, quando o artefato já era mantido no Rockfeller Museum, em Jerusalém.
“Essa é a mais importante descoberta arqueológica do primeiro século a respeito de Jesus nos últimos mil anos. Claro que sem ela já tínhamos evidências abundantes da veracidade histórica dos Evangelhos, mas essa derruba quaisquer dúvidas que alguém incrivelmente ainda possa ter“, declarou o teólogo norte-americano Norman Geisler, doutor em Teologia e Filosofia, autor de mais de 70 livros e professor de Apologética e Teologia no Seminário Evangélico Veritas. Ele é autor da obra Teologia Sistemática, lançada recentemente pela CPAD.
Especialistas europeus confirmaram a autenticidade da inscrição do ossuário, rachado no transporte de Israel ao Museu Real de Ontário, no Canadá
Além da Bíblia Sagrada, outras referências históricas a respeito de Jesus estão no clássico do primeiro século da Era Cristã História dos Hebreus, do judeu Flávio Josefo (contemporâneo dos apóstolos Paulo, Pedro, Tiago e João), publicada no Brasil pela CPAD, e também em outros registros de escritores pagãos. Entre esses pagãos, o primeiro a fazer menção ao nazareno foi Talo, o Samaritano, em sua obra Crônica, que os estudiosos acreditam ter sido escrita originalmente em 50 d.C.. O segundo foi Tácito, que viveu entre os anos 55 e 117 d.C., e que, ao escrever sobre o incêndio em Roma, ocorrido em 64 d.C., cuja responsabilidade pela tragédia foi atribuída aos cristãos pelo imperador Nero, revela detalhes anotados nos Evangelhos sobre a vida de Cristo e a existência de cristãos na alta sociedade romana, o que ratifica também o testemunho do apóstolo Paulo, que menciona em sua carta aos Filipenses a existência dos “santos na casa de César” (Fp 4.22).
O escritor latino Suetônio, em sua obra “Vida de Cláudio”, escrita originalmente no primeiro século, cita a repercussão em Roma das atividades de Jesus na Judéia, só que erra a grafia referente ao Messias, chamando-o de “Cresto” em vez de “Cristo”. Plínio, o Jovem, que viveu de 62 d.C. a 114 d.C., ao consultar o imperador Trajano sobre que tratamento seria dispensado aos cristãos da Bitínia, cita várias vezes o nome de Cristo como um personagem histórico. Não menos importante, o Talmud babilônico, que remonta o 4o século, menciona Jeshu há-Nostri (Jesus de Nazaré), seus discípulos e até a sua morte durante a Páscoa.
Evidências de que a urna é do irmão de Jesus
É bom lembrar que nunca houve entre os especialistas dúvida quanto à autenticidade histórica da urna, mas apenas quanto à autenticidade de apenas um trecho da inscrição, e que é justamente a dúvida que caiu por terra agora.
Quanto à autenticidade histórica da urna, ela foi facilmente constatada porque, em primeiro lugar, a Arqueologia revela que câmaras mortuárias como a que foi descoberta eram utilizadas geralmente por famílias judias no período entre 20 a.C. e 70 d.C., a fim de depositar os restos mortais dos entes queridos. O historiador Flávio Josefo (37-100 d.C), que foi contemporâneo do apóstolo Tiago, irmão de Jesus, confirma a informação. E em segundo lugar, durante o processo de análise da urna em 2002, foram realizados testes geológicos e paleográficos cujos resultados mostraram que o achado tinha mais de 19 séculos e era feito de calcário da região de Jerusalém. As investigações sobre a autenticidade da urna, que pesa 25 quilos e mede 50 centímetros de comprimento por 25 centímetros de altura, foram conduzidas à época por renomados cientistas da Geological Survey of Israel. Os geólogos do governo israelense analisaram a caixa em setembro de 2002 e concluíram que ela remonta o ano 63 d.C., exatamente a mesma data da morte de Tiago.
André Lamaire destaca que a probabilidade de o Tiago do ossuário ser o irmão de Jesus é imensa, porque, segundo ele, das centenas de ossuários do mesmo período encontrados com inscrição em aramaico, apenas dois continham menção a irmãos. Por essa razão, os estudiosos acreditam que o irmão só era citado se fosse alguém importante. “Tiago (Ya’akov), José (Yosef) e Jesus (Yeshua) eram nomes comuns na antiga Jerusalém. Mas, naquela época e lugar, das cerca de 40 mil pessoas que ali habitavam, estima-se que só podem ter existido em torno de 20 Tiagos com irmãos chamados Jesus e filhos de um José. E é improvável que tenha havido mais de um Tiago com um irmão importante o bastante para ser mencionado no ossuário“, argumentou o cientista, acrescentando: “É muito provável que este seja o ossuário do Tiago do Novo Testamento“.
John Noble Wilford, em matéria sobre o ossuário de Tiago para o jornal The New York Times, já destacava em 2002 a força irresistível dessa argumentação. “O Tiago da urna poderia ter sido qualquer um, mas a continuação da inscrição diminui tremendamente as possibilidades. Primeiro, porque, seguindo uma prática da época, seu pai está identificado e, no caso, é um José. Raro, no entanto, seria o nome de um irmão do morto ser acrescentado à inscrição, salvo se o irmão fosse alguém proeminente. O apóstolo Tiago pode ter desejado proclamar pela última vez seu parentesco com Jesus“.
Wilford ainda lembra que “a probabilidade estatística de os três nomes ocorrerem nessa combinação específica é mínima. Provavelmente, ao longo de duas gerações do primeiro século em Jerusalém, não mais do que 20 pessoas poderiam se identificar como ‘Tiago, filho de José e irmão de Jesus’ e poucos destes seriam enterrados em um ossuário com inscrições“.
Agora, com a confirmação da autenticidade da inscrição da urna, ficou ainda mais comprometido o dogma da virgindade perpétua de Maria, proclamado pelas lideranças eclesiásticas da Igreja Católica Romana desde 431 d.C., e estabelecido nos anos de 1125, 1311 e 1854. Segundo a Palavra de Deus, esse ensino é falso (Mt 12.46, 13.55-56; Mc 3.31; Lc 8.19; Jo 7.3,5,10; At 1.14; 1Co 9.5 e Gl 1.19). A interpretação forçada dos romanistas de que a expressão traduzida em algumas dessas passagens como “irmãos” no original é extensiva a primos não se sustenta diante de passagens como Mateus 1.25 e Lucas 1.36. Sobre o relacionamento entre Maria e José, o apóstolo Mateus diz o seguinte: “Porém não a conheceu, enquanto não deu à luz um filho, a quem pôs o nome de Jesus“. Note o “enquanto”, que sugere que, depois de Maria dar à luz Jesus, passou naturalmente a relacionar-se sexualmente com seu marido. E o doutor Lucas, por sua vez, utiliza o termo próprio para referir-se a primos quando menciona Isabel, prima de Maria, enquanto que, em outra passagem do mesmo livro, o termo que ele utiliza no original grego para se referir aos irmãos de Jesus é diferente. O escritor distinguiu bem as expressões.
Quem quiser conhecer “in loco” o ossuário de Tiago, avaliado em 2 milhões de dólares, ele está em exposição no Royal Ontario Museum, no Canadá, desde 2002.