Schopenhauer – Fichamento: A arte de conhecer a si mesmo

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Eis o último livro que li em 2010 e o primeiro de 2011: A arte de conhecer a si mesmo, organizado por Franco Volpi. Trata-se de um manuscrito de mais ou menos trinta páginas, do filósofo alemão Arthur Schopenhauer,

repletas de anotações autobiográficas, recordações, reflexões, ensinamentos de vida, regras de comportamento, máximas, citações e provérbios, que o autor apostava como sendo os mais importantes para ele.

Gostei muito dos textos de Schopenhauer que compõem esse livro e me senti completamente normal ao ver meus pensamentos, as minhas reflexões, o modo como encaro a vida ali, escritos naquelas linhas que foram escritas por Schopenhauer. Não que isso signifique que essa visão de mundo esteja certa, seja a verdade absoluta, mas é bom saber que há pessoas cujas reflexões batem com as minhas, porque a maioria das pessoas com as quais tenho contato hoje pensa demasiado diferente de mim. Por exemplo: muitos estão nem aí pro conhecimento; me discriminam por querer saber (d)as coisas, por querer entender o mundo, por pensar no outro lado da moeda, no outro; muitos só se importam com o ter, com o parecer e consigo mesmo.

Eu não gosto de pensar (e não quero) como Schopenhauer quando afirma que “pelo menos cinco sextos das pessoas são canalhas, néscias ou imbecis” e que, por isso, “quanto mais o indivíduo do outro sexto restante se distanciar dos demais tanto melhor” porque o enunciador desta frase nunca se incluirá obviamente na parcela imbecil da população, julgando-se superior a esta. Pra mim não tem essa de ser superior, de ser inferior. Qual a medida desta ou daquela? E quem é que mede? Pra mim essa medida é um tanto quanto subjetiva. Mas há sim uma curva gaussiana do tipo de pessoas que existem, do modo como pensam etc.. E é por isso que eu sempre me senti um ponto fora da curva ou nas extremidades desta. E este livro me confortou com pensamentos iguais ao meu. Só me resta encontrar gente que pense igual a mim.

Recomendo A arte de conhecer a si mesmo. Mas não espere, por causa do título, que seja um livro de autoajuda, que te colocará lá em cima pra você ser o melhor e blablablá. Muito pelo contrário: mostrará verdades que nenhum livro dessa área te mostrará.

Segue abaixo as partes que mais me chamaram a atenção. E dentre elas, as em vermelho se destacam mais ainda.
Abraços.

VOLPI, Franco (Org.). A arte de conhecer a si mesmo. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009

.: pág. 03
Querer o menos possível e conhecer o mais possível, eis a máxima que conduziu a minha trajetória de vida. Pois a vontade é o que há de mais comum e de pior em nós. Devemos ocultá-la como se faz com a genitália, embora ambos sejam a raiz de nosso ser.

.: pág. 12
Nos súbitos ataques de insatisfação sempre reflito sobre […] como milhares se colocaram contra um, dizendo que isso não levaria a nada, e que eu seria muito infeliz. Mas, se de tempos em tempos me senti infeliz, isto ocorreu mais devido a uma méprise, a um equívoco em relação à minha pessoa, visto que me tomei por um outro e não por mim mesmo.

.: pág. 14 (plaudite)
Um inglês, que acabara de me ver, declarou que eu devia possuir um espírito extraordinário. Um francês confessou subitamente: “Gostaria de saber o que ele pensa de nós; devemos lhe parecer bem diminutos, pois ele é um ser superior.”.

.: págs. 17 e 18
ou algo parecido ao suplicante plaudite [pedido de aplauso] que se encontra no fim das peças de Plauto. Nunca poderei, portanto, ter mais pretensões do que qualquer outro: as pessoas baseiam-se no fato de que nenhuma coerção externa as obriga em relação a mim, e me mostrarão isso, tão logo eu lhes mostre que o sei. A vergonha do desprezo (despectio) lhes é natural, e todos ficam atentos para que ninguém os considere inferior àquilo que eles mesmos acham de si. Eles se fixam no seguinte:

Sou igual a qualquer um, e morra quem me desprezar!

Estou livre dessa preocupação e sou de tal forma talhado pela natureza, que todos os que não pode ser incluídos entre os melhores têm necessariamente de me observar com suspeita (suspectio). Eu me fixo no seguinte:

Desprezai-me, se podeis, mas o risco é vosso, não meu!

.: pág. 20
Chamfort: o começo da sabedoria é o temor aos homens. Demóstenes tem razão ao dizer: muralhas e muros são bons meios de defesa, mas o melhor é a desconfiança. Penso e procedo segundo o mote de Bias: a maioria dos homens é ruim, e segundo as máximas de Leopardi: a mentira é a alma da vida social, e o mundo é uma liga de gatunos contra as pessoas de bem, e de vis contra as pessoas generosas.

.: pág. 25
A cortesia, assim como as moedas feitas de metal, é reconhecidamente uma moeda falsa. Não se deve economizá-la… Quem, entretanto, pratica a cortesia em detrimento de interesses reais assemelha-se àquele que despende autênticas moedas de ouro em vez de moedas de metal.
Assim como a cera, por natureza dura e seca, derrete-se com um pouco de calor, podendo adquirir qualquer forma, até mesmo pessoas duronas e hostis também podem, com um pouco de cortesia e amabilidade, tornar-se flexíveis e solícitas. Nesse sentido, a cortesia é para o ser humano o que o calor é para a cera.

.: pág. 26
“It’s safer trusting fear than faith” [é mais seguro temer os homens do que confiar neles].
(…)
O conhecimento da sentença de Hobbes, “homo homini lupus” [o homem é o lobo do homem], para muitos algo acidental, no meu caso baseia-se num instinto necessário.

.: pág. 27
Não se deve permitir que o ódio tome conta de nós, pois aquilo que se odeia não se despreza suficientemente. Em contrapartida, o meio mais seguro contra o ódio ao homem é justamente o desprezo ao homem. Mas um desprezo deveras profundo, consequência de uma visão clara e nítida da inacreditável miséria de sua disposição moral, da enorme limitação de seu entendimento, e do egoísmo sem limites de seu coração, que origina injustiça gritante, inveja e maldade tacanhas, que às vezes chegam às raia da crueldade.

.: pág. 28
Num mundo em que pelo menos cinco sextos das pessoas são canalhas, néscias ou imbecis, é preciso que o retraimento seja a base do sistema de vida de cada indivíduo do outro sexto restante — e quanto mais ele se distanciar dos demais tanto melhor. A convicção de que o mundo é um deserto, em que não se pode contar com companhia, deve se tornar uma sensação habitual.
(…)
Pois a ocupação com coisas divinas os torna mortos para a multidão.

.: pág. 29
Num mundo tão irrestritamente comum, todo aquele que for extraordinário irá necessariamente se isolar, e de fato se isola.

.: pág.30
Pois o homem não é apenas um animal vil e repugnante (digo isso a contragosto, quem dera a experiência não o tivesse manifestado clara e repetidas vezes e não continuasse a fazê-lo) mas também, danoso, volúvel, pérfido, ambíguo, feroz e cruel. (Francesco Petrarca)

.: pág. 35
O tom mais correto diante delas [das pessoas ordinárias] é a ironia; mas uma ironia sem nenhuma afetação, uma ironia calma, que não traia a si mesma. Nunca se deve direcioná-la diretamente à pessoa com quem se conversa. Não cessar de praticá-la: eis o que considero uma vitória particular.
(…)
Continuamente devemos manter o olhar direcionado ao todo, pois, caso nos detenhamos no particular, com facilidade erraremos, e obteremos apenas uma visão falsa das coisas.

.: pág. 36
Visto que com o aumento da intimidade diminui o respeito, já que as naturezas ordinárias costumam desprezar tudo o que não lhes é difícil obter

.: pág. 41
pois uma das duas coisas [vida intelectual e matrimônio] tem de ser sacrificada em favor da outra.

.: pág. 42
Quanto mais sensato e sábio alguém é, tanto piores são seus relacionamentos com a metade insensata da humanidade, e com razão, pois tais relacionamentos seria uma imbecilidade maior ainda de sua parte.

.: pág. 44
A maioria dos homens deixa-se seduzir por um belo rosto, visto que a natureza os induz a possuir mulheres, na medida em que mostra todo o esplendor delas ou deixa atuar… um “efeito teatral”. Todavia, esconde muitos males que elas trazem consigo: gastos sem fim, cuidados com a prole, indocilidade, teimosia, envelhecimento e perda da beleza em poucos anos, mentiras, cornos no marido, caprichos, ataques histéricos, amantes, e outras coisas mais do inferno e do diabo. Eis por que denomino o matrimônio uma dívida contraída na juventude e paga na velhice.

.: pág. 45
Os grandes poetas, ao contrário, eram todos casados e de fato pessoas infelizes.

.: pág. 46
Matrimônio = guerra e escassez! Sina do solteiro = paz e abundância.

.: pág. 47
quem procura paz, que evite a mulher, fonte perpétua de conflito e dor de cabeça. (Petrarca)

.: pág. 48
Somente provocando medo é que se consegue conter a mulher dentro dos limites da razão. No matrimônio, entretanto, é de fato necessário contê-la dentro de limites porque temos de partilhar com ela o que possuímos de melhor, e, assim, perde-se em felicidade amorosa o que em autoridade se ganha. Daí explica-se, por exemplo, por que a metade dos crimes capitais na Inglaterra são cometidos entre marido e mulher.

.: págs. 49 e 50
A natureza fez mais do que o necessário para isolar o meu coração, na medida em que o dotou de desconfiança, excitação, veemência e orgulho numa proporção quase inconciliável com a mens aequa, mente serena do filósofo. De meu pai herdei uma ansiedade que eu mesmo abomino e procuro combater com todo o empenho de minha força de vontade. Ansiedade que por vezes, até nas ocasiões mais insignificantes, se apossa de mim com tanta violência que enxergo nitidamente desgraças meramente possíveis, apenas imagináveis. Uma terrível fantasia muitas vezes potencializa de modo inacreditável essa minha característica. Quando eu tinha seis anos de idade, certa noite meus pais, ao retornarem de um passeio, encontraram-me no mais completo desespero porque subitamente imaginei ter sido abandonado por eles para sempre. (…) Surgisse algum barulho no meio da noite, levantava da cama e pagava punhal e pistola, os quais sempre carregava comigo. Mesmo sem haver nenhum motivo especial, trazia em mim uma contínua e íntima preocupação, que me levava a ver e procurar perigos onde não havia. Isso amplia ao infinito a menor inquietação e me dificulta por completo o relacionamento com os seres humanos.

.: pág. 52
Prefiro todavia pensar com Chamfort:

É melhor deixar os homens serem o que são,
A tomá-los pelo que não são.

.: pág. 53
Devemos estimar e honrar, de acordo com o seu valor, os poucos que fazem parte dos melhores. Quanto aos demais, nascemos para instruí-los, não para lhes fazer companhia. Temos de nos acostumar a considerá-los como uma espécie que nos é estranha, simples matéria de nosso labor. Devemos meditar diariamente sobre a sua sofrível índole moral e intelectual, tendo diante dos olhos que não precisamos deles e que podemos ficar longe deles. Visto que o pior e o mais reles ser humano ainda é igual a nós em muitas características, tanto físicas quanto morais, ele sempre tentará colocar tais características em primeiro plano, de forma que aquilo que nos torna melhores seja tratado como algo secundário. Como levam em conta apenas força e poder, convém evitá-los ou torná-los inofensivos. Devido à inveja própria da natureza humana só resta aos obtusos e destituídos de espírito alimentar uma animosidade secreta contra os que têm espírito superior, como fazem os perversos e reles contra as pessoas nobres e de caráter, embora às vezes colham vantagens e benesses destes objetos de sua raiva secreta, e inclusive temporariamente busquem as suas qualidades.

.: págs. 55 e 56
mérito algum compensa uma consciência perversa.
(…)
Mas é difícil cumprir essa exigência [de a pessoa ser ela mesmo e de viver para o seu espírito] num mundo em que a sorte e a determinação dos mortais são completamente diferentes, num mundo que nos coloca entre Cila e Caribde, ou seja, entre a pobreza que nos rouba todo o ócio livre, e a riqueza que tenta de toda forma corromper esse ócio e tirá-lo de nós. A sorte humana é determinada pela natureza: trabalhar de dia, descansar à noite, pouco tempo livre. A felicidade do varão? Mulher e filho, que são o seu consolo na vida e na morte.

.: pág. 58
Pode-se comparar a sociedade comum com aquela música russa de trompas, na qual cada trompa tem apenas um tom e somente a sintonia exata de todas é que faz soar a música. Ora, tão monótonos quanto semelhantes trompas uníssonas são os sentidos e os espíritos da grande maioria das pessoas. Muitas, inclusive, parecem ter tido sempre apenas um único e mesmo pensamento, sendo incapazes de conceber outra coisas.

.: pág. 59
todas as vezes que estive entre homens retornei menos humano (Thomas Von Kempen)

.: pág. 62
Para ser amado pelos homens, ter-se-ia de ser igual a eles. Mas que o diabo os carregue! O que os une e mantém unidos é sua ordinariedade, miudeza, superficialidade, raquitismo espiritual e mesquinharia. Eis por que minha saudação a todos os bípedes é: a paz esteja convosco, é o suficiente! Quando jovem, o homem de natureza nobre acredita que as relações fundamentais e decisivas, e as ligações entre os seres humanos delas originadas, são ideais, baseando-se na semelhança da disposição moral, da forma de pensamento, do gosto, das faculdades do espírito; todavia, mais tarde se convencerá intimamente de que tais relações são em verdade reais, isto é, calcadas em algum tipo de interesse material. Tais interesses encontram-se no fundamento de quase todas as ligações: inclusive a grande maioria das pessoas não possui outra noção do que seja uma relação. Portanto, quanto mais elevada a posição espiritual de alguém, tanto mais ordinárias têm lhe parecer as pessoas; tão certo quanto, se dos pés da torre até o seu cume há trezentos pés, deste até a base há de novo o mesmo tanto.

.: pág. 66
Todos os exemplos surpreendentes e explícitos de ruindade, maldade, perfídia, ignomínia, inveja, estupidez e perversidade que experimentamos e tivemos de suportar com paciência não devem de modo algum ser atirados ao vento, mas antes usados como alimento da misantropia, e devem ser continuamente lembrados e mantidos em mente, para assim sempre termos diante dos olhos a índole real dos homens, e não nos comprometermos de modo algum com eles. Assim, descobriremos que de fato até freqüentávamos há muitos anos aquele com quem tivemos experiências desse gênero, sem que os acreditássemos capazes disso. E portanto foi só a ocasião que os pôs em evidência. Ora, quando começamos a nos familiarizar com uma pessoa, devemos sempre ter em mente que, caso a conhecêssemos mais intimamente, decerto a desprezaríamos ou teríamos de odiá-la.

.: pág. 68
Depois que se levou uma longa vida no anonimato e no desprezo, lá vêm eles ao fim com timbales e trompetes, e acreditam que isso basta.

.: pág. 72
O sábio aspira não ao prazer mas à ausência de dor. (Aristóteles)

.: pág. 80
Dívida alguma é mais fielmente quitada que o desprezo. (Helvetius)

.: pág. 84
O pior invejoso deste mundo —
é aquele que a todos considera como seu igual. (Goethe)

.: pág. 87
Seu jeito brincalhão e senso de humor tornavam-no uma companhia agradável. Mas, embora seu nobre coração devesse lhe conquistar amigos por toda parte, encontrou bem poucos. Como sua perspicácia sempre o levava a emitir juízos consistentes sobre as pessoas e as coisas, suas opiniões amiúde eram duras e cortantes. E, quando fazia o balanço sobre algum parvo que vivera há mil anos, muitas vezes o interlocutor, mesmo que se encontrasse tête-à-tête, tinha dúvida se não se tratava de uma alusão a si. (J. H. Merck)